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Obra de Farnese de Andrade é única
Ricardo Ditchun
Do Diário do Grande ABC
23/06/2002 | 17:31
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A arte do mineiro Farnese de Andrade, lamentavelmente pouco divulgada, é pungente. É ver e lembrar, com mais ou menos angústia, os mistérios aterrorizantes da infância (ambientes, objetos, imaginações, situações, pesadelos, morte, crenças, parentes, pais, mães). Farnese, morto em 18 de julho de 1996, no Rio, aos 70 anos, escapa de determinismos classificatórios: não é isso, tampouco aquilo. Impossível dissociar a vida do artista de sua obra. Farnese, portanto, é único.

Para ajudar a vencer a falta de informações a respeito do desenhista, gravador, pintor e, sobretudo, assemblista (foi mestre das assemblages), as livrarias recebem um título fundamental: Farnese de Andrade (Cosac & Naify, 464 págs., 21cm x 25cm, R$ 220). O preço assusta, mas os benefícios do investimento compensam.

O livro é primoroso. Inclui um corretíssimo texto diretor do crítico Rodrigo Naves, produção gráfica e design de Raul Loureiro, fotos (342 coloridas) de Eduardo Ortega e Rômulo Fialdini e as ferramentas cronologia e bibliografia assinadas pela historiadora Jô Frazão. Além disso, acompanha o volume o DVD Farnese, do crítico Olívio Tavares de Araújo, feito a partir de seu curta-metragem realizado em 1970.

Coisas velhas, usadas e corroídas pelo tempo foram os meios preferidos de Farnese. Cabeças de bonecas, ex-votos e toscas imagens de santos, por exemplo. As primeiras, geralmente arranjadas por ele de ponta-cabeça, provocam e incomodam o olhar. Outra marca farnesiana, a resina, preenche nichos dramáticos, sobretudo quando neles figuram crianças-casulos. Morte, vida, tragédia, devir, ovo, útero? As respostas demandam tempo. Virão quando Farnese for mais – e melhor – exibido, pesquisado, criticado e debatido.

Minas – O fator Minas Gerais, mais precisamente a questão da condição mineira, é certamente uma forte linha de investigação. Ser filho de tabelião e de uma modesta artesã que fazia flores de pano para enfeitar noivas, isso na pequena e monótona Araguari (região do Triângulo Mineiro) da segunda metade da década de 20, e dos anos 30, influenciou, de formas variadas, a percepção de mundo do Farnese criança e adolescente. “Nasci no meio das montanhas e considero-as cerceantes”, afirmou, em 1976.

Outro dado biográfico importante é a morte de dois irmãos do artista, em 1924, dois anos antes de seu nascimento. Morreram afogados durante uma enchente e suas curtas existências sempre foram muito lembradas pela família Andrade. Farnese foi o sexto de oito filhos do casal.

Em 1942 Farnese vai morar em Belo Horizonte com a mãe, Maria, separada do pai, Atabalipa, desde 1940. Três anos depois iniciou seus estudos artísticos com o pintor Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Depois vieram as primeiras mostras, o fim dos sofrimentos provocados pela tuberculose (de 1944 a 1949), a vida no Rio (mudou-se com a mãe em 1949) e as exposições e temporadas de intercâmbio no exterior.

Instável no que diz respeito a temperamento, Farnese afastou de si, e de sua obra, toda a comitiva (marchands, curadores, críticos, colecionadores, pesquisadores) responsável pela consagração. Também por causa da idiossincrasia de sua arte, foi marginal diante do movimento construtivista que coincidiu com sua fase madura. Morreu esquecido.




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