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Nova cara para a favela do Heliópolis
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
23/01/2011 | 07:28
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Em um primeiro momento, o nome Heliópolis não traz boas recordações para a maioria das pessoas. Assassinatos, violência e tráfico de drogas eram comuns. Principalmente quando falamos da maior favela do Estado, com cerca de 130 mil moradores, encravada entre o Sacomã, na Zona Sul da Capital, e São Caetano. Um paradoxo de realidades. Mas basta colocar os pés no lugar para entender que essas recordações acima são coisas do passado.

"Passou", como dizem os próprios moradores ao Diário. O clima no local é de um bairro como outro qualquer da periferia. Sem homens armados circulando, pelo menos sem armas à vista, casas e carros populares, com portas abertas, e crianças nas ruas, com as mães olhando de longe e de bate-papo com as vizinhas.

O diferencial é que as pessoas caminham no meio da rua. Depois de um tempo você entende o porquê. As calçadas não têm mais de meio metro de largura e não suporta o trânsito de pedestres.

A ocupação é desenfreada. Os barracos e as casas mais humildes estão desaparecendo. Os pequenos prédios subindo. Chegam até o quinto andar. Na verdade, Heliópolis é contada por lajes, onde sobem os puxadinhos. As ruas são asfaltadas e os relógios de energia são novos. Os gatos nos postes estão mais camuflados.

Na comunidade existe uma organização própria entre os moradores. As ONGs (Organizações Não-Governamentais) e associações de bairro estão posicionadas em várias partes. A trinca igreja, boteco e salão de beleza também ocupa as garagens das ruas e vielas mais movimentadas.

MUDANÇA
A pacificação ocorreu de uma forma diferente. Não precisou das Forças Armadas para tomar o morro dos bandidos. Primeiramente, porque Heliópolis está localizada em um terreno de um milhão de metros quadrados quase sem elevações significativas na terra. Não há morros, visto de cima é um mar de concreto, com quase nenhuma árvore ou espaço vago. Lembra uma colcha de retalhos tingida de vermelho e cinza dos blocos, e uma ou outra residência pintada.

A tranquilidade de agora é o resultado de uma ação coletiva dos moradores, com a entrada da iniciativa privada e mais timidamente dos governos. Além da mudança de atitude dos criminosos, que as pessoas chamam simplesmente de manos.

A saída de Heliópolis no noticiário de polícia fez surgir parcerias com empresas multinacionais, como a Petrobras, Unilever, Adidas, Lego, que apoiam diversos projetos, como de inclusão social e digital de jovens, alfabetização de adultos, capacitação da mão de obra e outras muitas atividades culturais.

Atualmente a comunidade é um polo cultural, com direito a rádio regularizada, orquestra sinfônica reconhecida internacionalmente, programa infantil de televisão e produção contínua de cinema. Parece pouco, mais é muito para a maioria dos moradores, que sentem orgulho de morar lá. Isso, pelo menos, é o que dizem.

No bairro, cultura também é cinema, rádio e orquestra

O nome da rua já diz tudo. Alegria. É neste local que os moradores de Heliópolis tiveram e ainda têm o primeiro contato com o cinema. Seja em produções ou assistindo um filme em tela grande. O projeto Cine Favela começou de forma mambembe, de moradores com ideias na cabeça e equipamentos precários, às vezes emprestados.

"Queríamos colocar para fora todo o nosso sentimento de revolta. Como a violência policial, a corrupção dos políticos e mostrar que a vida dentro da favela não é nenhum bicho de sete cabeças", comenta Vladimir Modesto, 41 anos, diretor e fundador do Cine Favela.

O grupo já produziu dois longas-metragens e vários curtas. Conquistou patrocínios e realiza, desde 2005, o Festival Cine Favela de Curta-Metragem. Agora, luta para finalizar o filme Excluídos da Sociedade. "É o nosso grande trabalho. Está difícil, mas vamos terminar de qualquer jeito", conta Modesto.

O espaço que se transforma em cinema nos fins de semana, nas segundas-feiras vira o programa infantil Estação Alegria, do palhaço Leleco, de Getúlio Borges, 36.

Há mais de um ano o programa de uma hora é exibido na TV Aberta (UHF), com pouquíssimos financiadores. O Diário acompanhou uma gravação que, mesmo com chuva, atraiu 20 crianças.

Para ajudar na produção, Leleco conta com o motorista de ônibus Antonio José dos Santos, 44, que se transforma no palhaço Tico.

"Acordo de madrugada, trabalho e venho correndo para cá. Essa é uma forma de ajudar e também de me divertir". Como todos os envolvidos no projeto, Tico também mora na favela.

NAS ONDAS DO RÁDIO
A Rádio Heliópolis existe há mais de 18 anos, mas apenas em 2009 foi regularizada. Com a concessão e a parceria com a ONG italiana Act!onaid, a emissora mantém programação 24 horas, com serviços e músicas dos mais diversos estilos.

"É um canal de comunicação nosso, serve para informar os moradores de campanhas realizadas por entidades ou para divulgar o trabalho dos inúmeros grupos musicais da comunidade", disse o diretor da rádio Reginaldo José Gonçalves, 34.

A Sinfônica de Heliópolis é outro orgulho. O maestro Silvio Bacarrelli proporciona aprendizado de música clássica para jovens que não teriam condição de estudar.

Entidade leva 4 mil moradores em reunião

A Unas (União de Núcleos Associação e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco) é a maior entidade de Heliópolis e conta com infraestrutura de empresa grande - 450 funcionários em 28 projetos. São trabalhos como a educação de crianças de zero a 4 anos, alfabetização digital, atendimento para idosos carentes, cursos profissionalizantes, e atividades em biblioteca e quadras poliesportivas.

"Nós acreditamos que poderíamos mudar a vida das pessoas de Heliópolis, sem violência, mas com organização", afirma Manuel Otaviano, 47 anos, diretor de políticas públicas da Unas.

A organização é um referencial. Em uma reunião para debater a construção de moradias compareceram 4.000 pessoas, que ouviram e falaram o necessário.

"Não adianta o governador ou prefeito e empresas virem com projeto pronto. Nós que decidimos, eles não sabem como é a realidade aqui dentro", conta Laís Fonseca, diretora da entidade.

ILUSTRES
Entre os projetos, a instituição mantém invejável rol de apoiadores que sempre visitam o local, como o ex-presidente Lula, o cantor Gilberto Gil, o arquiteto Ruy Otake, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloízio Mercadante, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e a presidente, Dilma Roussef.

Time está entre os mais conhecidos da várzea 

Por onde você anda em Heliópolis é possível encontrar alguém com uma camisa, além de carros e motos com adesivos colados nos vidros e capacetes, do Ratatá F.C, mais conhecido entre os times de futebol de várzea que existem na favela.

Em dia de jogos saem ônibus e carros cheios de torcedores para os quatro cantos da Região Metropolitana de São Paulo. Não importa se é campeonato ou amistoso, a torcida comparece em massa e o churrasco é garantido.

Fora o jogo, o Ratatá F.C., como os grandes times, têm seu marketing, mas o que chama atenção não é o craque, mas os seus souvenirs, como camisetas, adesivos, bonés e chaveiros.

"Tem mês que chegamos a vender 800 camisas e 2.000 adesivos. Duvido que a Portuguesa e muitos outros times da Primeira Divisão cheguem perto desse número", comenta o presidente Jonas João Alves, 35 anos.

Na pequena sede da equipe é onde ficam os troféus, e uma camiseta autografada pelo craque francês Zidane. A todo momento passa um fã e pergunta se chegou mais artigos. O Ratatá tem outro problema também de time grande: a falsificação de seus materiais.

"Já encontramos pessoas na Zona Leste vendendo nossas camisetas. Não é à toa que somos um dos times mais conhecidos de São Paulo", diz o orgulhoso presidente.




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