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Paulo Autran está em 'O Crime do Dr. Alvarenga'
Do Diário do Grande ABC
07/04/1999 | 15:58
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Aos 76 anos de idade, comemorando 50 de carreira, o ator Paulo Autran exibe um fôlego invejável. Quinta-feira ele sobe ao palco do Teatro Procópio Ferreira, em Sao Paulo, para viver dois personagens na peça O Crime do Dr. Alvarenga, de Mauro Rasi. Na mesma noite, aproveita para lançar o CD Fernando Pessoa por Paulo Autran, no qual interpreta 17 poemas selecionados entre os seus prediletos da obra do poeta português.

Mas nao é tudo. Este ano ele volta às telas em três filmes. O primeiro deles, Tiradentes, de Osvaldo Caldeira, no qual interpreta um padre, estréia no dia 16 em Sao Paulo. No papel de um médico, em Oriundi, de Ricardo Bravo, que deve chegar às telas em agosto, Autran contracena com Antony Quinn. Ainda sem data para chegar ao cinema, O Enfermeiro, de Mauro Faria, já foi exibido no Telecine e se inspira num conto de Machado de Assis. Nele, Autran contracena com o jovem ator Mateus Nachtergaele no papel de um coronel.

Pedido de pai - Na comédia O Crime do Dr. Alvarenga o autor e diretor Mauro Rasi homenageia seu pai, Oswaldo Rasi, que morreu em dezembro. O ponto de partida do espetáculo é o pedido feito pelo personagem Vado (Autran), para que seu filho Emílio (Guilherme Piva) encene a peça que dá nome ao espetáculo, escrita por Vado. "Isso ocorreu realmente; o sonho do pai de Rasi era ver sua peça encenada no Rio ou em Sao Paulo", conta Autran.

Há mais de 20 anos, Autran teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o personagem que agora interpreta. Em 1966 o ator levou a Bauru o espetáculo "Liberdade, Liberdade", um entre os vários grandes sucessos de sua carreira e o jovem Mauro Rasi foi visitá-lo no camarim. "Fiquei sabendo que ele havia realizado um espetáculo em Bauru usando o mesmo roteiro de Liberdade, Liberdade", conta Paulo.

"Ele trocou a ordem dos textos e deu um nome diferente, acho que Os Caminhos da Liberdade. Na ocasiao, Autran foi apresentado ao pai do dramaturgo. "Simpático, inteligente, era vereador, um homem importante na cidade", lembra. Autran seguiu sua carreira e só voltou a ouvir falar de Rasi muito depois, quando o autor fez seus primeiros sucessos no Rio com comédias de esquetes, cariocamente apelidadas de "teatro besteirol".

"Mais tarde vi nascer o dramaturgo Rasi com peças como Cerimônia do Adeus e Estrela do Lar, das quais gostei muito". No ano passado, recebeu um telefonema de Rasi convidando-o para interpretar seu pai na peça e, após ler o texto, aceitou entusiasmado o convite. "Também havia gostado muito de sua direçao para a peça Arte".

Depois de ter retratado a mae em Pérola, Rasi coloca no palco a figura do pai, cujo hobby era escrever peças e o maior sonho, vê-las encenadas nos grandes centros. Na ficçao, Vado está fazendo 80 anos e sua filha Elisa (Drica de Moraes) e seu genro Danilo (Ernani Moraes) preparam uma festa de aniversário auxiliados pela Tia Brunilde (Marilu Bueno). Vado pede entao, como presente ao filho Emílio, a encenaçao da peça. Na medida em que avalia o texto, a família vai dando vida aos personagens.

Paulo Autran interpreta Vado e o Dr. Alvarenga, médico protagonista da peça dentro da peça, um dramalhao mexicano dos anos 50, o que obriga o ator a alternar dois estilos de interpretaçao muito diferentes durante todo o espetáculo. "O Vado criou um daqueles dramas típicos de época, cujos personagens tem uma psicologia pré-estabelecida e falam numa linguagem pomposa; interpretados a sério hoje, ficam engraçadíssimos", comenta Autran.

Ele, obviamente, leva muito a sério os dois personagens. "E o resultado é um espetáculo divertidíssimo", afirma. "É uma peça para rir e o público ri muito". Segundo o ator, a comédia fez um sucesso estrondoso em Bauru, onde estreou mês passado, obrigando o elenco a realizar uma sessao extra.

E nao só em Bauru, mas também no Festival de Curitiba, onde lotou o Guairao, um teatro com mais de 2 mil lugares, o que também obrigou os organizadores do evento a criar uma sessao além das duas previstas na programaçao. "O crítico de um jornal de Londrina falou mal da peça e escreveu muito irritado pelo fato de o teatro estar lotado e o público rir sem parar", comentou Autran. "Fiquei contente porque achei importante ele dizer que o público ria, mais importante do que sua opiniao", ironizou.

Com imaginaçao - Criar personagens a partir de pessoas reais costuma apavorar atores. Imagine entao quando se trata do pai do autor e diretor. "Nao tive a menor preocupaçao de imitar a voz ou os gestos do pai de Rasi; como sempre, trabalhei com minha imaginaçao". Uma atitude compreendida pelo autor. "Rasi é um diretor sensível, sabia exatamente o que queria e ficava na maior animaçao com as coisas que eu apresentava nos ensaios".

A primeira vista nao parece difícil atuar em mais uma comédia no caso de um ator como Autran, com quase 90 peças no currículo dos mais variados gêneros: tragédias gregas, textos de Shakespeare, Ibsen, Beckett e Vianinha, entre outros importantes autores brasileiros e estrangeiros, sem falar nas diversas comédias no estilo bulevar. "Nao existe personagem fácil e se o ator nao tiver humildade vai ficar eternamente repetindo a si mesmo", ensina.

"É preciso descobrir em cada personagem o que ele tem de diferente de todos os outros, o que o torna um ser humano único", argumenta.

Segundo ele, Vado era um homem com uma ambiçao intelectual muito grande, porém limitado por seu meio. "Imagino o que o sucesso de Rasi provocou na cabeça desse homem de idade avançada, que amava o filho, mas ficava irritado com as referências à familia em suas peças". Oswaldo chegou a escrever uma carta a Rasi reclamando disso, integrada ao espetáculo pelo autor. Na peça, pai e filho discutem muito. "Mas fica claro que eles se amam", afirma Autran.

Livro e poesia - Além de rir com O Crime do Dr. Alvarenga, o público que compararecer ao Teatro Procópio Ferreira terá a oportunidade de conhecer mais a fundo a trajetória do ator. No saguao, estará sendo vendido o livro Um Homem no Palco (R$ 28), uma longa entrevista realizada pelo crítico do Jornal da Tarde Alberto Guzik com o ator. Editado pela Boitempo, foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti 98 na categoria livro-reportagem.

Também à venda no saguao o CD Fernando Pessoa por Paulo Autran (R$ 10), mais um da série atores/poetas produzido por Paulinho Lima, pelo selo Luz da Cidade. "Gostei muito de ter gravado", diz Autran. Sem música para pontuá-la, a poesia de Pessoa soa límpida e nuançada na voz do ator que imprime ironia a versos como O sombra fútil chamada gente, do poema Se Te Queres Matar e ritmo alucinado a Ode Triunfal.

"Esse poema tem que ser dito numa ebuliçao". Ou seja, num ritmo nada estranho ao múltiplo ator.




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