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Grande ABC fecha os
olhos ao trabalho infantil
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
29/05/2011 | 07:51
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O Projeto ABC Integrado, que mapeou 116 pontos onde há crianças em situação de rua na região, completa dois anos. Até agora, pouco foi feito por prefeituras, Ministério Público e Conselhos Tutelares para combater o problema. A pesquisa revelou que 86% dos menores abordados estavam em situação de trabalho, seja na venda de produtos ou na prestação de serviços, tais como panfletagem e rodinho.

A equipe do Diário percorreu cerca de 20 pontos apontados pela pesquisa e constatou que crianças continuam nas ruas em ao menos oito. A falta de políticas públicas é um dos grandes motivos que levam à permanência do quadro.

Exemplo disso é o casal de irmãos que vende balas na Avenida Fábio Eduardo Ramos Esquivel, em Diadema. A adolescente de 14 anos e o garoto de 12 foram às ruas para ajudar a mãe no sustento da família. O menino é o mais novo, mas também o mais desconfiado: "Vocês são do Conselho Tutelar?", perguntou, ao ser questionado pela equipe.

Em Santo André, no semáforo da Avenida Gilda com a Pereira Barreto, dois meninos se dividiam para limpar os vidros dos carros. Ao serem abordados, fugiram sem conversar.

No mesmo farol, as amigas de 15 e 16 anos distribuíam panfletos. Uma delas usava um colete onde se lia o nome da empresa que a contratou, Mensageiro, com quem o Diário não conseguiu contato.

"Comecei há um ano e ganho R$ 25 por dia, mas só trabalho no fim de semana", contou a mais velha. Outros dois pontos da cidade, ambos na Rua Catequese, também concentram trabalho infantil. 

MALABARES
O problema se repete em outros três pontos do Centro de São Bernardo. Em um deles, na Rua Marechal Deodoro, um garoto de 14 anos fazia malabarismos. "Comecei aos 12 anos e já fiz até com fogo. Dava mais dinheiro, chegava a ganhar R$ 100 por noite. Hoje ganho uns R$ 50", disse. Ele desistiu das chamas depois de ter se queimado. "Olha a minha cicatriz", falou o menino, exibindo o cotovelo marcado. 

SOLUÇÃO
A pesquisa foi realizada pela Fundação Travessia em parceria com a Universidade Metodista de São Paulo. O coordenador de projetos da fundação, Marcelo Caran, considerou que é preciso vontade política para resolver o problema. "Não basta transferência de renda. É preciso dar casa, lazer, esporte, cultura e escola", destacou.

Para o coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua em Diadema, José Maria Oliveira Viana, é necessário dar atenção maior às áreas de divisa. Os municípios precisam estabelecer parcerias para que o trabalho renda bons frutos", opinou.

 

Rede de atendimento precisa de melhorias 

A principal ferramenta de Santo André, São Bernardo e Diadema para combater o trabalho infantil é o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que atende 755 crianças nas três cidades. O programa prevê transferência de renda e atividades no contraturno da escola.

As três cidades têm ainda programas de abordagem de rua, mas foi em pontos já conhecidos das administrações que a equipe do Diário flagrou desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O documento determina que menores de 16 anos não podem trabalhar, salvo como aprendizes, a partir dos 14.

São Caetano e Ribeirão Pires informaram não ter casos de trabalho infantil, embora sejam citadas no estudo. Mauá e Rio Grande da Serra não responderam. Em Diadema, o Projeto Meninos e Meninas de Rua tem capacidade para 300 atendimentos mensais. O coordenador José Maria Oliveira Viana disse que o objetivo é criar vínculos. "Assim chegamos à família e identificamos o que leva o jovem à rua."

Em Santo André, educadores do Programa Andrezinho Cidadão circulam em pontos identificados por munícipes. São Bernardo afirmou ter intensificado o Programa Andança, da Fundação Criança, após a apresentação da pesquisa. Em 2009, 180 crianças e adolescentes deixaram as ruas, em 2010, 114 e, neste ano, 25.

Para o coordenador de projetos da Fundação Travessia, Marcelo Caran, é preciso ampliar a rede de abordagem. Já o Ministério Público e os conselhos tutelares só agem se houver denúncias. O único inquérito instaurado sobre o tema é referente ao trabalho dos meninos-placa, também denunciado pelo Diário.

 

Grande ABC terá campanha de conscientização 

O Projeto ABC Integrado parte agora para a segunda fase, que mapeará a rede de atendimento aos menores em situação de rua. Além disso, será realizada campanha de conscientização para que a população deixe de contribuir com o trabalho infantil nas ruas.

"A pessoa acha que é caridade, faz por dó, mas só contribui para manter a miséria", disse o coordenador de projetos da Fundação Travessia, Marcelo Caran.

A intenção é realizar a campanha ainda neste ano. Já o mapeamento da rede deve levar cerca de um ano e meio. "O importante é levantar quais são os pontos fortes e fracos e, a partir daí, traçar política conjunta de combate ao problema", afirmou.

O coordenador criticou a falta de integração entre as cidades. "É preciso destruir esse olhar bairrista, municipal e interiorano e alinhar conceitos e ações. Muitas vezes um menino é encontrado em uma cidade e não pode ser levado para outra por questões burocráticas. Isso precisa mudar", ressaltou.

Neste sentido, a proposta do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC é criar casa de passagem que fará atendimento regional, além de ampliar o trabalho de abordagens de rua nas áreas de fronteiras entre cidades.




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