Uma viagem através do tempo. O Diário percorreu, na última semana, trechos da Calçada do Lorena, caminho histórico que corta a Serra do Mar para ligar São Bernardo a Cubatão. A estrada de 3,5 quilômetros de extensão está preservada dentro do Caminhos do Mar, aberto para visitação do público.

Antes de supostamente proclamar a célebre frase que se tornaria símbolo da independência do Brasil, às margens do Ipiranga, dom Pedro 1º e sua comitiva percorreram este trajeto íngreme, repleto de curvas, do litoral à Capital. Montado em uma mula – e não em um cavalo, o príncipe regente trilhou a Calçada do Lorena e, com isso, deixou no Grande ABC as marcas do histórico 7 de setembro de 1822.

Apesar de facilitar o acesso antes feito por caminhos abertos por indígenas, o movimento nesta estrada está muito longe da intensa circulação que chega, hoje, à média de 84 mil veículos por dia no Sistema Anchieta-Imigrantes (Ecovias).

Construída em 1792 pelo então governador da Capitania de São Paulo, Bernardo José Maria de Lorena, a Calçada, que homenageia seu idealizador, seria a precursora do aparato logístico que consolidou o Grande ABC, mais de um século depois, como o maior polo de desenvolvimento econômico nacional.

A Calçada do Lorena “assinalou o início da constituição de uma infraestrutura destinada a colocar São Paulo no comércio internacional” e “veio a romper o isolamento em que se encontravam os paulistas devido às péssimas ligações com o litoral”, descreve o historiador e professor de arquitetura da USP (Universidade de São Paulo), Benedito Lima de Toledo.

Apesar de variações, vasta literatura descreve fatos ocorridos no 7 de setembro da Independência. O jornalista Laurentino Gomes, autor da obra 1822, cita que, naquela data, dom Pedro 1° e sua comitiva iniciaram a “lenta subida” pela Calçada do Lorena. “Era uma das mais sinuosas e pitorescas estradas do Brasil”, com “mais de 180 curvas em zigue-zague debruçadas sobre o precipício”.

Em 1840, com a construção da Estrada da Maioridade, atualmente chamada Caminhos do Mar, a Calçada “foi conhecendo progressivo abandono, até o golpe final, representado pela construção da estrada de ferro”, sinaliza Toledo.

No Caminhos do Mar, que integra o Parque Estadual Serra do Mar, o público pode conhecer o trajeto percorrido há 200 anos pelo príncipe regente e sua tropa. Em uma “viagem ao passado”, o visitante pode experimentar a sensação daqueles que, no século 19, venciam as barreiras naturais da serra, em meio à mata densa.

Na expedição do Diário, fomos acompanhados por Jhony Lagos Alves, 30 anos. Morador de Cubatão, o monitor começou a trabalhar no Caminhos do Mar no início desde ano. “Era o meu sonho”. Desbravando as trilhas do Parque, Jhony faz a cada dia uma nova descoberta. “Eu me considero parte da história por morar em frente de onde eles (dom Pedro 1º e sua comitiva) passaram. Há poucos anos vim sabe disso”, revelou.

RESTAURO

Nos próximos meses deverá ter início o restauro da Calçada do Lorena, intervenção que será executada pelo Parquetur, que detém a concessão do Caminhos do Mar. “Faremos o processo em etapas. A primeira é o levantamento arqueológico para saber exatamente largura e extensão do caminho, que tem parte encoberta pela vegetação. Com isso, identificaremos os pontos que precisarão de intervenção. Depois faremos a instalação de guarda-corpo”, explicou o diretor operacional do parque, Carlos Telecki. A conclusão está prevista para março de 2023.