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CCBB exibe filmes de Carlos Reichenbach
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
16/05/2005 | 08:28
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“Eu acredito que essa é a mostra mais completa da minha obra até hoje”. É com tamanha segurança que Carlos Reichenbach avalia a nova edição de Diretores Brasileiros, uma série de ciclos que tem por hábito lustrar a filmografia de nomes de ponta do cinema tapuia, alojada sempre na sala de cinema do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de São Paulo. Desta vez, é de Carlão e de sua obra que se vai falar numa retrospectiva a preços populares (R$ 2 e R$ 4) e que, de terça-feira até o próximo dia 29, tenciona exibir 19 filmes chanfrados pelo cineasta, gaúcho de nascença, paulista por afinidade. Não se trata de uma mostra total do cinema de Carlão, cuja carreira gira o relógio dos 40 anos, mas chegou quase lá. E se próprio homenageado falou – que nunca houve retrospectiva tão detalhada de sua carreira –, está falado.

Faltaram ao menos dois filmes essenciais, Anjos do Arrabalde (1987) e Sede de Amar (1978), descartados da programação final por causa de ruídos nas negociações com os produtores para liberação da exibição. Por outro lado, há pelo menos três razões indiscutíveis para tomar o caminho do Centrão de São Paulo, onde está cravejado o prédio do CCBB.

Pela primeira vez, será exibido o primeiro corte final de Garotas do ABC, com 30 minutos a mais em relação à versão comercial, lançada nos cinemas e que também está incluída na mostra. “Acho interessante, para quem estuda e gosta de cinema, ter acesso às duas versões para ver as modificações entre elas”, diz Carlão. Apelidado de versão redux, o corte inédito dedica espaço narrativo maior aos personagens masculinos, em cenas como um longo monólogo de Selton Mello e minúcias da invasão dos neonazistas que antagonizam o filme ao Clube Democrático, ponto de encontro das operárias-personagens da obra rodada no Grande ABC.

Outro item inédito é a versão integral de Amor, Palavra Prostituta. Quando lançado, em 1981, teve vetados – e picotados – seis minutos de sua duração por ordem do Conselho Superior de Censura, filiado à ditadura. Como todo picote, causou ferimentos artísticos profundos em Carlão. “O filme nunca existiu sem essas cenas (cortadas), ele foi concebido em função dessas imagens”. Os trechos tesourados de Palavra Prostituta, um ensaio sobre os amores vacilantes na vida após a contracultura, registram o aborto da personagem Lilita (Alvamar Taddei), “um momento angustiante de uma mulher que vai morrendo por dentro, em sentido físico e figurado”. Carlão tem a resposta definitiva para a ação dos censores ante uma obra banhada pela transgressão, com um tema que segue tabu ainda hoje. “O filme, não dá para negar, é uma defesa velada da legalização do aborto”.

Por fim, a retrospectiva providencia também a pré-estréia do inédito Bens Confiscados, sem previsão de lançamento no circuito comercial. Laureado com o troféu Kalunga de melhor filme de ficção do último Cine PE, o antigo Festival de Recife, o drama se passa no Sul do país, tirando casquinha da fronteira, onde os personagens de Betty Faria e Renan Augusto, 30 anos distantes, engatam um romance em meio a um escândalo político.

Strip-tease – Há mais, muito mais para se apreciar nessa retrospectiva além dos filmes que vêm embalados pelo ineditismo, total ou parcial. São 19 obras no geral, entre curtas e longas-metragens, que proporcionam um strip-tease artístico e conceitual de Carlos Reichenbach, sob a curadoria de Marcelo Lyra, jornalista que redigiu o ensaio biográfico Carlos Reichenbach – O Cinema como Razão de Viver (Imprensa Oficial).

Estão contemplados os filmes da primeiríssima fase, quando o cinema de Carlão cheirava a udigrudi, com filmes intestinalmente ligados ao cinema marginal, como o episódio Alice, do longa As Libertinas, e A Badaladíssima dos Trópicos x Os Picaretas do Sexo, extraído do longa Audácia; e até o pop em idade neandertal presente na aventura adolescente Corrida em Busca do Amor. A segunda fase, na verdade uma ruminação intelectual da primeira e da pornochanchada, aparece em Lilian M – Relatório Confidencial, O Império do Desejo, Extremos do Prazer e O Paraíso Proibido.

Daí por diante, Carlão submerge na sua fase mais recente, e a mais pessoal. É no período de fitas como o atordoante Filme Demência e os auto-reflexivos Alma Corsária e Dois Córregos que o cineasta manifesta que somente a arte não lhe basta. É quando Carlão retrabalha o cinema como linguagem absorvente, capaz de reter em si filosofia, plasticidade, psicologia, memórias, poesia; uma omniarte, que tira tinta da trave quanto ao conceito de reunir sozinha todas as outras artes, por sua complexidade técnica e sua natureza de derivação. Uma pretensão que é natural no cinema aparentemente inesgotável de Carlão, que, apesar de certa resistência, entrega as preferências entre os filmes que dirigiu: Filme Demência e O Paraíso Proibido. Está dada a dica e, desta vez, pelo próprio autor.



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