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Travesti é morta por caminhoneiro na Avenida Industrial

Foi o quinto caso registrado no Grande ABC neste ano; denúncia levou polícia ao motorista, que disse ter reagido a tentativa de roubo

Bia Moço
do Diário do Grande ABC
19/09/2019 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O caminhoneiro Ozail Ferreira Vilar, 37 anos, foi preso na manhã de ontem por policiais militares do 10º Batalhão, logo após matar a travesti Emmanuelle da Silva Barros, 25 anos, natural do Ceará. O crime foi cometido na altura do número 2.700 da Avenida Industrial, no bairro Campestre, em Santo André. A travesti foi encontrada sem documentos, com ferimentos no rosto e um corte profundo no pescoço, resultado de golpe de faca. O agressor disse aos agentes que reagiu a tentativa de roubo. Levado ao 1º DP (Centro), ele foi indiciado por homicídio e encaminhado à cadeia pública do município, na Vila Palmares.

De acordo com os policiais que atenderam a ocorrência, o assassinato aconteceu por volta das 5h. Os agentes receberam denúncia de agressão e, no local, encontraram a travesti morta. Testemunhas apontaram para um caminhão e disseram que o agressor estava no veículo. Vilar foi encontrado escondido no baú. A princípio o caminhoneiro negou o crime, mas depois confessou ter matado Emmanuelle.

Outro crime recente por intolerância que chamou a atenção ocorreu no dia 10 de maio, em Diadema, quando Yara Souza foi estrangulada. O agressor foi preso em flagrante. Outros três casos aconteceram no Grande ABC neste ano, segundo o fundador e presidente da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual), Marcelo Gil.

O ativista informou que, embora tenha o número quantitativo de casos, não há o registro de cada vítima. A reportagem do Diário solicitou dados à SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado), porém, foi informada de que o levantamento somente pode ser feito por meio da Lei de Acesso à Informação, que têm prazo de até 20 dias para resposta, podendo ser prorrogado por mais dez dias.

“A polícia não tem dados contabilizados e classificados para o público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros). Somente registro por gênero, masculino ou feminino. Não existe ainda o respeito à orientação sexual ou identidade de gênero”, diz Gil, referindo-se à falta de estatísticas oficiais sobre esse tipo de crime.

O ativista explica que hoje já existe boletim de ocorrência que respeita o nome social, só que quando o caso é referente a uma travesti ou transsexual, a polícia registra com o documento original, que consta como gênero masculino e, por esse motivo, não é possível fazer estatísticas com o que ele chama de “dados reais” das vítimas.
“O governo do Estado deu um passo importante ao incluir o nome social no novo documento de identidade. Agora dependemos, também, de delegacias preparadas para receber esse público e registrar as ocorrências respeitando a opção da vítima”, cobra marcelo Gil.

“É importante deixar bem claro que temos o coordenador estadual LGBT, Marcelo Gallego, que esteve aqui (<CF51>na região</CF>) e deveria se preocupar justamente em como manifestar os dados reais. Temos que mudar o conceito de uma diagramação de estatística de assassinatos LGBT no Brasil”, reforça.

POLÍTICAS PÚBLICAS
Para Gil, a questão a ser debatida “insistentemente” é sobre a necessidade de políticas públicas voltadas a esse público. “Temos uma única delegacia voltada aos crimes raciais no Estado de São Paulo, que é a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância ), na Capital. Ter apenas uma unidade limita a possibilidade de acesso a toda a população LGBT, sobretudo aos que moram no Grande ABC.”

Ele reforça que existe um “comodismo social” e dificuldade de a sociedade enxergar a existência dessa população. Gil questiona ainda por que não tem gestores LGBT à frente de políticas públicas na região. “Quantos de nós, LGBTs, teremos de morrer? Está cada vez mais frequente esse tipo de crime. Não adianta termos gestores héteros para pensar na nossa classe, pois só nós sabemos o preconceito e discriminação vivida diariamente”, lamentou.

Brasil já registrou 63 assassinatos neste ano, aponta entidade nacional

Dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) revelam que neste ano, até o dia 30 de junho, foram registrados 63 assassinatos de travestis, mulheres transexuais e homens trans no Brasil.

No ano passado, sem levar em conta a subnotificação desses dados – destacado pela associação –, ocorreram 163 crimes, sendo 158 travestis e mulheres transexuais, quatro homens trans e uma pessoa não-binária. A Antra divulgou em dossiê que, destes casos, em apenas 15 os suspeitos foram presos, o que representa 9% dos crimes.

De acordo com o levantamento, o Estado de São Paulo está em terceiro lugar no ranking de onde mais se mata o público trans, com 14 casos. Em primeiro ficou o Rio de Janeiro (16) e em segundo, a Bahia (15).

No ano passado, levantamento feito pela ONG Transgender Europe divulgou que em pesquisa feita em 72 países, o Brasil é o que mais mata transexuais. De acordo com a ONG, entre outubro de 2017 e setembro de 2018, foram 167 mortes.

Já em 2017, a Antra contabilizou 179 assassinatos de pessoas trans, sendo 169 travestis e mulheres transexuais e 10 homens trans. Destes, foram encontradas notícias de que 10% dos casos tiveram os suspeitos presos, o equivalente a 18 assassinatos. São Paulo registrou 16 crimes.




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