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Empolgação que não envelhece

Aos 64 anos de idade e 45 de profissão, Ney Latorraca jura que não gosta muito de se ver em cena

Gabriela Germano
Da TV Press
25/01/2009 | 07:00
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Ney Latorraca estreou na TV em 1969, com a novela Super Plá, na extinta Tupi. Antes disso, pisou pela primeira vez nos palcos em 1964, com uma montagem de Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, ainda em Santos, cidade onde nasceu. Mas hoje, aos 64 anos de idade e 45 de profissão, ele jura que não gosta muito de se ver em cena porque é bastante autocrítico. "Se eu não mantivesse essa juventude, essa insegurança, não seria mais ator. Represento sem rede de proteção, me jogo", justifica o veterano.

Atualmente no ar como o romântico Edmar, de Negócio da China, Ney chama a atenção ao liderar o núcleo da casa de shows El Chaparrito. "O personagem é uma mistura de Anabela, Quequé e Barbosa", define o ator, referindo-se a seus papéis em antigos trabalhos como Um Sonho a Mais, Rabo-de-Saia e TV Pirata, sucessos de sua carreira de que o público sempre se recorda quando o assiste na TV. Mas Ney tem consciência de que é uma exceção por conseguir manter uma carreira bensucedida apesar do avançar da idade. Ao falar do que é mais difícil na profissão que escolheu seguir, ele destaca a falta de respeito e memória em relação aos profissionais mais velhos no Brasil. "Os artistas têm de ser bem tratados. É duro você trabalhar a vida inteira e ter de fazer vaquinha para montar uma peça ou manter a maravilhosa obra que é o Retiro dos Artistas", critica ele, que há mais de 20 anos produz espetáculos com a Latorraca Produções Artísticas e busca patrocínio para montar DesFigura ainda em 2009, sobre a vida e a obra do pintor irlandês Francis Bacon, com o ator Édi Botelho na pele do artista.

Você já disse que chegou a um ponto em sua carreira em que só faz os personagens que deseja. Por que você aceitou interpretar o Edmar, em Negócio da China?
NEY LATORRACA - Acho que quando o Miguel Falabella me chamou para fazer a novela, ele escreveu o personagem para eu poder encaixar minha maneira de representar. O Edmar é amoroso, carinhoso, tem uma maneira interessante de se vestir e é um romântico. As pessoas adoram romantismo e por isso ele se tornou um sucesso. É como se eu estivesse sendo descoberto a cada papel. ‘Olha como ele é bom ator', dizem. Acho engraçado isso, porque você sempre tem de estar provando alguma coisa. Mas não me incomodo, porque chego com o entusiasmo de um ator iniciante a cada novo trabalho. A escalação do elenco que compõe meu núcleo também foi ótima. Só trabalho com quem eu quero.

Sempre foi assim?
LATORRACA - Desde que iniciei a carreira. No teatro fui trabalhar com o Antunes Filho, na TV com o Walther Avancini, além do Guel Arraes no TV Pirata. Achava o Ruy Guerra interessante e fiz com ele a Ópera do Malandro no cinema. Sempre quero saber quem são as pessoas que estão envolvidas no projeto, desde a camareira e o profissional que vai me maquiar até o diretor geral. Se tiver um camarão podre, eu pulo fora. Não vou trabalhar para me aborrecer. É um luxo chegar ao Projac e encontrar a Leona Cavalli. Se começamos a gravar ao meio-dia, chegamos às 10h, olhamos o figurino, pedimos uma comidinha e batemos o texto. Quando vejo, já gravei e está na hora de voltar para casa. As novelas acabam e o que fica são as amizades.

Sua carreira é expressiva no cinema e no teatro, mas você nunca deixou de fazer TV. Sente-se realizado atuando em novelas?
LATORRACA - Só com a peça Irma Vap fiquei 11 anos em cartaz. Eu e o Marco Nanini estamos até no Guinness como os atores que se apresentaram por mais tempo com um mesmo espetáculo. Mas minha vida não é só um tapete vermelho. Para falar desse sucesso nos palcos ou de Vamp e Estúpido Cupido na televisão, também tenho de me lembrar de trabalhos que foram um fracasso. E é claro que prefiro fazer uma boa novela do que uma peça medíocre. Ganho muito bem por esse trabalho e ao fazer uma novela eu sei que posso atingir desde as crianças até as senhoras. Posso mudar muita coisa com um personagem da TV. Por isso gosto de dar um tempo entre um trabalho e outro. Parece batida essa história de se reciclar, mas eu preciso de um tempo. Viajo e volto com força total. Sou um atleta da atuação e tenho de estar bem. Para mim e para o público. É por isso, inclusive, que parei de fumar há seis anos. Hoje tenho mais fôlego, os dentes ficam mais bonitos. Inventei que a cada cigarro que eu fumava, um casal de milionários nos Estados Unidos recebia mais dinheiro. Mas eles não fumavam e estavam muito bem de vida. Então decidi que não ia mais sustentá-los e parei. O público merece me ver bem.

Você gosta do contato com o público?
LATORRACA - Adoro, porque ele é meu termômetro. Sou um ator pop. Dou autógrafo, converso com as pessoas porque elas são o meu termômetro. Eu sou um filtro. Meu corpo e meu gestual são usados para levar algo para o público. É uma delícia ver aqueles que acompanham a sua carreira ao longo dos anos. Alguns entregam a própria idade quando me abordam. Uns me chamam de Mederix, outros de Vlad, outros de Barbosa. Dependendo do personagem a que se referem, sei a idade que têm.

O reconhecimento do público é a melhor parte da profissão de ator?
LATORRACA - A gente brinca bastante, mas essa profissão é muito séria. Acho que só se compara a médico plantonista. E a gente representa sem anestesia, em carne viva. Às vezes você tem um aborrecimento, perdeu a mãe e tem de ir lá sorrir, chorar, tudo para agradar as pessoas, tirar um sorriso, uma emoção. Essa profissão é muito bonita. Por isso eu acho que o ator tem de estar bem. Brincam que quando uma novela em que estou acaba, todo mundo comprou um apartamento ou um terreno porque eu defendo isso. É porque meus pais passaram por tantas dificuldades sendo artistas, que eu já vim para essa profissão querendo me garantir. Não somos uma classe sequestrável. Mas temos direito a comer bem, ter uma boa ducha em casa, poder presentear os amigos. Mas para isso os atores têm de batalhar sempre. Se deixarem, caem no esquecimento.




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