Sai a amarga professora Dora (que escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil até encontrar o órfão Josué), e entra Deus, um Todo Poderoso rabugento e descrente na humanidade. O papel caiu muito bem para Antônio Fagundes, que o compara a outro personagem que encarnou no cinema. “Foi mais fácil fazer Deus do que Villa-Lobos”, afirmou, em entrevista concedida em São Paulo, na semana passada. “Villa-Lobos tem referências. Mas fazer Deus foi prazeroso, porque ele está humanizado no filme”.
Deus É Brasileiro é um elogio à imperfeição. Na viagem de Deus em busca de um santo brasileiro para substituí-lo, ele redescobre os homens e passa a entendê-los. “Eu trato o personagem como uma figura literária famosa, sem nenhuma intenção religiosa. Me perguntar se eu acredito em Deus, no caso, equivale a perguntar para Spielberg se ele acredita em ETs”, disse Cacá.
A trama – Muitos lembrarão do João Grilo de Ariano Suassuna ao se deparar com o personagem Taoca (Wagner Moura). É um pescador e borracheiro que sobrevive em Maceió (AL) de pequenos golpes. “Mas ele é mais moderno, fala frases em inglês, coisa que Suassuna não permitiria”, diz Moura. Taoca foge de um cobrador quando encontra, no meio do mar, um homem que diz – e em seguida prova – ser Deus. Ele está cansado dos erros cometidos pelos homens e quer férias. Para isso, precisa encontrar um santo que se ocupe de seus deveres enquanto ele estiver ausente.
E Taoca, de passagem, é escolhido para levá-lo até Quinca das Mulas (Bruce Gomlevsky), o candidato de Deus a santo. O encontro inesperado vem em boa hora para o malandro, que está preocupado com seus problemas materiais. Mas a viagem torna-se mais longa do que o previsto, já que Quinca nunca está onde dizem que ele está, e ganha mais uma companheira quando a solitária Madá (Paloma Duarte) foge de casa para seguir Deus, acreditando que ele é um professor do Sudeste a caminho de São Paulo.
Versátil – Cacá Diegues acumula no currículo bons filmes e uma obra-prima, Bye Bye Brasil (1980), no qual prevê a unificação do país pela televisão, que tem como conseqüência o extermínio das culturas regionais. O diretor é considerado um dos mais versáteis do Cinema Novo pela diversidade de sua obra, que aborda todos os gêneros.
Depois de Bye Bye, vieram Quilombo (1983), que conta a história de Zumbi dos Palmares; Um Trem Para as Estrelas (1987), com Betty Faria; Dias Melhores Virão (1989), que estreou na TV antes de chegar aos cinemas (o que apontava uma grave crise do cinema nacional); Veja Essa Canção (1994), uma parceria com TV Cultura; o ambicioso projeto Tieta do Agreste (1997), com Sônia Braga; e Orfeu (1999), uma adaptação de Orfeu do Carnaval, de Vinicius de Moraes, que poderia ter sido evitada.
Deus É Brasileiro é o melhor longa de Cacá desde Bye Bye Brasil. Ele próprio fala do projeto como uma vitória. “Há muitos anos eu não sentia tanto prazer em fazer um filme”, disse. O resultado está na tela. Boa história, belíssima fotografia, grandes atuações. Um nacional imperdível.
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