Cultura & Lazer Titulo
Pacote erótico
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
26/11/2006 | 22:04
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A partir desta linha, este texto é desaconselhável para quem não está bem resolvido com seu senso de pudor. Esta ressalva alerta menores de 18 anos, ou maiores, de que erótico não é somente pornográfico. Pode ser transgressão também, com estética e sem vulgaridade. Assim, quadrinhos adultos aliam-se às artes, distanciados das vestes moralizantes da religão, e autores-desenhistas devaneiam histórias com erotismo.

Este binômio é sintetizado na obra do italiano Milo Manara. Suas mulheres longilíneas e calipígias, e situações de puro fetiche, estampam a série O Clic, criada em 1983, e que a Conrad Editora voltou a publicar este ano, com o segundo número chegando nas livrarias. Mas o desenhista, que atua no erotismo em quadrinhos desde Genius (1969) também investe na adaptação de clássicos ou biografias. Desenhou a série Bórgia em dois volumes (Conrad), em parceria com Alejandro Jodorowsky, sobre histórias e lendas da luxuriosa Lucrécia Bórgia; e recentemente ilustrou Péntiti (Pixel), livro sobre três óperas de Mozart, de Rudolph Angermüller. Manara povou ambos com musas provocantes.

Da sua safra de adaptações saiu este mês A Metamorfose de Lucius (Pixel, 66 págs., R$ 25 em média), a partir do clássico O Asno de Ouro, do autor latino Apuleio (século II d.C.). Na história, Lucius tem a simples missão de entregar uma carta. Mas se deixa levar por prazeres e orgias ao chegar no destino. Abusando da magia, tenta se tornar um pássaro, mas o tiro pela culatra o torna um burro. Consciente do que lhe ocorreu, Lucius reflete sobre a condição humana na perspectiva do animal.

No traço de Manara, a história ganha volúpia e perversões – sexo com o burro é uma delas. Suavizadas, mas não evitadas. Amigo do cineasta Federico Fellini, o artista não esconde admiração pelo cenário do filme Satyricon (1969), referência básica nesta obra.

Contos de fadas – Se Manara explora fetiches, o japonês Senno Knife perverte contos de fadas, literatura e teatro em Tempest (Conrad, 216 págs., R$ 14,90). Sexo é o alicerce de sua arquitetura, cuja perspectiva erótica mira não o ato sexual em si, mas o conteúdo psicossocial que molda sexualidades, estas, sim, explícitas.

Quando o bispo Frollo deseja possuir a sensual Esmeralda em A Cigana de Notre-Dame, adaptada da história do corcunda de Victor Hugo, o clérigo, cujo papel social é preencher vazio e solidão humanos com a religião, tenta fazê-lo com êxtase, e a si próprio.

Em A Menina que Caiu no Inferno, adaptada de Hans Christian Andersen, a nobre Ingel cai viva nos braços de Lúcifer, graças a muitas maldades. A menor delas foi levantar a saia para atrair homens e acusá-los de estupro. Na história inspirada em William Shakespeare (o título do álbum vem de A Tempestade), o ciúme de um homem sem o órgão sexual é causa da destruição; na adaptação dos Irmãos Grimm, é um clitóris descomunal, e não um nariz conforme o original, que cresce envolvendo a moça, após encontro desta com três anjos caídos em As Pedras Demoníacas.

A Vênus das Peles, do austríaco Leopold von Sacher Masoch – origem do termo masoquismo –, é fiel transposição do original sobre pintor em início de carreira que vai viver com jovem senhora e seu serviçal, sem saber que são um casal dominatrix e escravo. Melhor exemplar da carga erótica de Knife. Explícito, mas plácido; suave, porém incisivo.

Suavidade não é a praia do underground Suehiro Maruo, Vide Ero-Guro (Conrad, R$ 29,90) e O Vampiro que Ri (Conrad, R$ 23,20), onde o prazer é machucar e espancar mendigos, e onde meninas lucram saciando idosos pervertidos. Marquês de Sade japonês é sua alcunha perfeita.

Paraíso – O Sorriso do Vampiro (Conrad, 286 págs., R$ 29,70) não é diferente. A decadência pervertida da aristocracia num ambiente de cabaré alemão brechtiano é um dos vértices desta história que tem um casal de vampiros adolescentes entre a angústia e o prazer, um menino que procura sua irmã desaparecida e uma mãe indiferente. Difícil imputar um gênero. É erotismo grotesco, aliado a história violenta e de horror. Mas, convencional, nem um pouco.




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