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MAM dedica ciclo a Hitchcock e Orson Welles
Do Diário do Grande ABC
25/03/1999 | 15:40
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Há décadas enquetes feitas com críticos e historiadores apontam "Cidadao Kane", de Orson Welles, como o melhor filme de todos os tempos. Outra pequisa, mais recente, feita pela revista "Time Out" com cem cineastas de todo o mundo para comemorar o centenário do cinema, em 1995, apontou Alfred Hitchcock como o melhor de todos os diretores, com mais de 60% dos votos. Os dois mestres encontram-se agora na tela do Museu de Arte Moderna. O MAM programou um ciclo dedicado a Hitchcock e Welles que começa sábado e vai até maio, sempre nos fins de semana, com entrada grátis.

É programaçao para cinéfilo nenhum botar defeito. Traz o Welles ator e diretor, em clássicos como "Cidadao Kane", "Soberba", "Macbeth", "Othello" e "O Terceiro Homem" (que ele nao dirigiu, mas teria supervisionado), paralelamente a obras menos conhecidas e até menores, que só interpretou, como "Três Casos de Assassinato" e "O Retorno a Glennascaul - Uma História de Fantasma".

A seleçao de Hitchcock privilegia as obras dos anos 20 aos 40. Sao filmes que ajudaram a moldar o estilo do mestre do suspense, como "The Lodger", "Chantagem" e "Confissao" e a primeira versao de "O Homem Que Sabia demais". Mas também há clássicos hitchcockianos, como "A Dama Oculta" e "Interlúdio". Cabe lembrar que este é o ano do centenário de Hitchcock, que nasceu em agosto de 1899. O MAM antecipa-se às comemoraçoes que a data merece.

Tiete assumido de Hitchcock, François Truffaut tinha o maior apreço por "A Dama Oculta" e "Interlúdio". No livro com a entrevista que fez com o cineasta (Hitchcock Truffaut), o francês conta que viu os dois inúmeras vezes. No caso de "A Dama Oculta", ele admite que mais de uma vez tentou assistir ao filme para descobrir as técnicas usadas por Hitchcock nas cenas dentro do trem (e elas compoem quase todo o relato), mas teve sempre a atençao concentrada na história e nos personagens. Truffaut nao considera "Interlúdio" menos do que genial.

"A Dama Oculta" é mesmo um dos filmes mais deliciosos já realizados. Mostra casal que procura velhinha que desapareceu dentro de um trem. Na verdade, trata-se de uma espia que participa de uma missao tao delicada quanto difícil. A natureza dessa missao é o que menos importa. É o que Hitchcock chamava de "MacGuffin", o detalhe pode ser decisivo para os personagens, mas é absolutamente irrelevante para o espectador.

Há outro MacGuffin em "Interlúdio", uma história de minério escondido dentro de garrafas de vinho. Os personagens podem matar-se por causa disso, mas o que o espectador retém desse filme admirável é o romance (e o carisma) da dupla Cary Grant-Ingrid Bergman. Ela é filha de um cientista acusado de ser espiao. Aceita fingir que é agente inimiga, para conseguir informaçoes dos nazistas e limpar o nome da família. A história passa-se supostamente no Rio de Janeiro, mas Hitchcock nao tirou o pé de Hollywood. O Rio aparece apenas em transparências e imagens rodadas pela equipe de segunda unidade.

Por mais brilhantes que sejam esses filmes, as grandes obras-primas de Hitchcock ainda estavam por vir. Ele próprio estabelecia a diferença entre as duas versoes de "O Homem Que Sabia demais" (a que passa domingo no ciclo é a antiga, com Peter Lorre) dizendo que a primeira era trabalho de um amador talentoso e a segunda, de um profissional. Os grandes filmes de Hitchcock sao "Janela Indiscreta" e "Um Corpo Que Cai" (Vertigo), nos anos 50, e "Psicose" e "Os Pássaros", nos 60, para nao falar no sublime "Marnie, Confissoes de uma Ladra", que Truffaut, no seu entusiasmo, definia como obra-prima imperfeita (ou "doente", era a classificaçao que ele dava).

Cidadao Kane- A homenagem a Welles começa sábado com "Cidadao Kane", o filme que revolucionou o bê-a-bá da arte de contar histórias no cinema. É o tipo do programa que se pode ver diversas vezes com a certeza de sempre descobrir algo novo nele. Nas semanas seguintes virao as adaptaçoes de Shakespeare (Welles foi sempre um shakespeariano notável) e a de Kafka. "O Processo" de Welles bebe na fonte do expressionismo alemao sem deixar de ser "kafkiano", no que esse adjetivo evoca de absurdo, angustiante e até metafísico.

"Três Casos de Assassinato", no domingo, foi um filme que Welles fez em 1954. Sao três histórias e ele participa somente da última, como ator. "Lord Mountdrago" é dirigido por George More O'Ferrall e Welles aparece no papel de um poderoso político que é envolvido numa trama de morte. Baseado no livro de W. Somerset Maugham, o episódio tem uma atmosfera entre o sonho e a realidade. É daqueles filmes que Welles fazia para pagar as contas. Nao se compara à sua obra como diretor, na qual ele foi sempre mais exigente e criativo. Mas nenhuma tentativa de interpretaçao da personalidade do ator e diretor será completa sem a apreciaçao desses filmes menores, que ele interpretava com satisfaçao próxima da volúpia.

Serviço- Mostra Orson Welles e Alfred Hitchcock. Sábado, às 14 horas, 'Correspondência', de Eliane Coster e Sérgio Audi, Brasil/96; 'Chantagem e Confissao', de A. Hitchcock, Inglaterra/29, com Anny Ondra, John Londgen; às 16 horas, 'Cidadao Kane', de O. Welles, EUA/41, com Joseph Cotten, O. Welles. Domingo, às 14 horas, 'Três Casos de Assassinato', de O. Welles, Inglaterra/54; às 16 horas, 'Amor', de José Roberto Torero, Brasil/94; 'O Homem Que Sabia demais', de A. Hitchcock, Inglaterra/34, com Leslie Banks, Edna Best. Quintas, sábados e domingos. Grátis. MAM/Auditório - Parque do Ibirapuera. Avenida Pedro Alvares Cabral, s/n.º. Portao 3, tel. 549-9688. Até 16/5




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