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Para cartolas, samba é coisa de família
Por Cristiane Bomfim
Do Diário do Grande ABC
04/02/2007 | 21:44
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Poucos mandam e muitos obedecem. Engana-se quem pensa que os cartolas do samba são aqueles que decidem de longe e não participam das atividades da escola de samba. Eles estão perto. Nas grandes mesas improvisadas, colando purpurina nos cenários, ajudando a lixar os carros alegóricos, palpitando na coreografia e no enredo. Os cartolas do samba são os fanáticos pelo Carnaval. É, geralmente, uma paixão hereditária, que vai passando de pai para filho. Ou de mãe para filha. Ser cartola, na verdade, pouco importa. E alguém tem que fazer o papel chato para que a escola faça bonito nos dias de festa.

No galpão da escola de samba São Leopoldo, de São Bernardo, a família de Américo Antônio Morales, 47 anos, conhecido como Tico, se reúne entre panos, linhas, tesouras e lantejoulas. Há duas semanas do desfile de Carnaval, o trabalho na confecção das fantasias foi intensificado. Dia e noite, pessoas costuram as roupas e montam os acessórios. Tico é o presidente-fundador da escola, mas no ateliê quem manda é sua tia e vice-presidente Ana Maria Gimenes, 58 anos. Ela reclama, pega no pé e briga quando é necessário. Por ser tão exigente, ganhou um apelido: general. Mas não há reclamações. Pelo contrário, todos sabem que a amolação é por amor à agremiação. "Na São Leopoldo todo mundo opina. Mas a decisão final é sempre minha e da tia Ana", afirma Tico.

Colocar uma escola na avenida não é fácil. Os preparativos duram o ano inteiro. Administrar o dinheiro, que é sempre pouco, escolher o enredo, desenhar as fantasias, elaborar os carros alegóricos requer disciplina. Tico e Ana Maria não se consideram cartolas, mas aceitam a denominação porque, segundo eles, "a coisa só funciona se tiver alguém para liderar".

A São Leopoldo é uma escola nova. Foi fundada em 1998 na arquibancada do Carnaval de São Bernardo. "Fazíamos parte de uma outra escola e em 1997 eu decidi sair", conta Tico. Um ano depois, enquanto assistia o desfile na cidade teve uma crise. "Eu comecei a chorar de saudade. O samba é a minha vida. É algo inexplicável", revela Ana.

Perto dali, Maria Conceição Rodrigues do Amaral, a Contché, 58 anos, comanda o trabalho no barracão da Rosas Negras com a naturalidade de quem tem a escola como parte da história familiar.

A mãe de Contché, Natália Rodrigues do Amaral, participou da fundação da Rosas Negras, em 1968, e assumiu, por anos, a responsabilidade de ser a primeira porta-bandeira da escola. Nos 39 anos de história, a escola passou por muitas crises, mas nunca deixou de desfilar. Em 2001, com o falecimento de Natália, Contché assumiu a presidência e a escola se dividiu. "Minha mãe sempre foi muito boa e generosa e algumas pessoas abusavam. Tive que colocar ordem na casa", explica.

A mãe de seis filhos, sempre muito alegre, conta que pensou em desistir. "Mas lembrei que essa era a grande paixão da minha mãe e enquanto existir um Rodrigues do Amaral, a escola vai existir", desabafa.

Para manter viva a agremiação, revela Contché, diplomacia com outras escolas é fundamental. Com a Padre Lustosa e a São Leopoldo, por exemplo, a rivalidade fica só na avenida. "Somos amigos e só disputamos na avenida, porque lá todo mundo quer ser o melhor. Minha escola tem que ser a melhor”.

Diálogo - Disciplina sim, mas com democracia. Esse é o lema de Ademar de Barros, 66 anos, que aposta no diálogo para continuar a trajetória de sucesso da Ocara, de Santo André, que tem 27 títulos. “A coisa mais difícil é manter a harmonia dentro da quadra. Não é brigando que a gente consegue isso”, revela.

O presidente da escola sequer se considera um cartola e faz questão de colocar a mão na massa como todo mundo. “Eu colo purpurina, faço fantasia, controlo o dinheiro. Todo mundo trabalha em conjunto. Ninguém é ditador”, conta ele, que faz parte da Ocara há 46 anos. A agremiação tem 51. Como a maioria das escolas de samba, a família de Ademar não podia estar de fora. Todo mundo ajuda, até a esposa que não é muito fã de Carnaval.

Além de custar horas e mais horas de trabalho e preocupação com um desfile perfeito, o cargo de presidente pesa no bolso. "Nem sempre o dinheiro que temos é suficiente para fazer o Carnaval que imaginamos. Aí o jeito é tirar do bolso", conta Antônio Cláudio dos Reis, 41 anos, presidente da Leões do Vale, de Santo André.

Mas, para Cláudio, Carnaval nunca dá prejuízo. O fanatismo foi herdado do pai Antônio José dos Reis, fundador da escola. A agremiação nasceu no quintal de sua casa, uma conseqüência natural dos sambas que aconteciam depois das partidas de futebol do Aclimação Esporte Clube. "Meu pai sempre foi fanático e presidiu a escola muitas vezes. Depois que ele faleceu eu assumi. É uma responsabilidade que me orgulha".



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