Direitos do consumidor Titulo Atendimento de qualidade
Para vender muito é preciso vender maus serviços?
Idec*
01/07/2016 | 07:00
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O título desta coluna sugere o oposto do senso comum, que diz que quem vende muito oferece um bom serviço ou produto.

Vários dos serviços objeto de queixas dos brasileiros são prestados por empresas privadas, mas são públicos e concedidos, ou ainda de interesse público, como a Educação privada. Além disso, há os serviços chamados ‘suplementares’, como os planos de saúde que, por este nome, deveriam adicionar, somar (sim, é isso mesmo!) ao que é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde). E há os serviços privados simplesmente.

Na maioria dos casos, o papel do Estado é essencial para a manutenção da qualidade, seja porque ele presta serviço básico ou semelhante, ou porque pode e deve exigir o cumprimento de parâmetros e metas na prestação dos entes privados. Mas, não raro, o Estado não consegue fiscalizar de maneira eficaz a prestação dos mesmos e tampouco ameaça retomar concessões quando há falha reiterada e grave. O Estado, aqui, não é só o governo federal, mas um caso exemplar é o das agências reguladoras e das autarquias que têm sob sua tutela atividades como serviços financeiros, telecomunicações e assistência à Saúde.

Os órgãos federais encarregados de zelar pela boa prestação desses serviços estão bastante suscetíveis a influências do próprio setor regulado, muitas vezes até com a presença de pessoas ocupando cargos de direção e que estiveram recentemente nas empresas reguladas. Ou ainda as agências pautam sua atividade regulatória e fiscalizadora por regras específicas do setor, esquecendo-se dos direitos do consumidor. Elas obedecem a dinâmica econômica do setor regulado e não visam, necessariamente, a melhoria da qualidade dos serviços.

Por exemplo: o Banco Central esquiva-se de punir e corrigir a má prática recorrente de bancos em relação ao consumidor, alegando que seu papel é apenas ‘zelar pela rigidez do sistema financeiro’. Caberia perguntar por que razão ele mantém um índice de reclamações atualizado mensalmente em seu site. Se não é para agir, para que serve?

Os exemplos poderiam se estender a Estados e municípios: lixo e Transporte metropolitano, saneamento básico, Segurança e Educação.

Mas não é só o governo que falha. Uma sociedade madura tem que deixar de lado essa ladainha de culpar só o outro e esquecer do que pode fazer para melhorar. Se a lei for cumprida, por exemplo, já será uma grande coisa. Temos leis excelentes e outras nem tanto, mas nosso déficit não é legal ou normativo.

Inúmeras pesquisas do Idec fotografam práticas ruins de prestadores de serviços. Fazemos nossas pesquisas e testes sempre na perspectiva de um consumidor comum, isto é, sondamos aspectos básicos na oferta e prestação de serviços.

As empresas argumentam que as irregularidades encontradas decorrem de acidentes ou equívocos pontuais, mas sempre encontramos os mesmos problemas a cada vez que testamos os serviços, e isso ao longo de 27 anos de atividades do Idec.

Bancos não entregam contratos nem informam taxas e outros valores quando alguém contrata um empréstimo; impõem a venda casada de seguros e outros serviços, cobram tarifas diferentes e por aí afora.

O mesmo pode ser dito das empresas de telecomunicações. Os planos ilimitados nunca são exatamente isso, os valores atraentes são sempre ‘promocionais’ e duplicam em pouco tempo; as taxas por serviços adicionais são surpreendentemente altas e os pacotes são alterados segundo o desejo e conveniência das empresas – isso é bastante comum nas TVs por assinatura. Para não falar na baixa qualidade dos serviços.

No setor de saúde suplementar – os planos de saúde – o padrão de qualidade é igualmente sofrível. Quando não se pode pagar um plano de elevadíssimo padrão, o que verificamos em 90% dos casos é a negativa de cobertura diante da necessidade de um tratamento, internação ou cirurgia, a exclusão de um profissional, hospital ou laboratório da lista dos credenciados e, finalmente, os aumentos muitas vezes superiores à inflação.

Isso está estampado não apenas em nossas pesquisas e testes, mas nos milhões de queixas de consumidores nos Procons do país, nas redes sociais e páginas da internet, nos SACs das empresas, nas ouvidorias e nas agências reguladoras. São milhões de conflitos de consumo, mas ainda subdimensionados.

Temos, portanto, um deficit enorme de qualidade que está ligado a várias razões, mas certamente não é de incapacidade técnica dos prestadores e tampouco de falta de normas e leis. Nossas leis, ao menos as mais importantes relativas a serviços, como o CDC (Código de Defesa do Consumidor), são excelentes. Esse deficit de qualidade está ligado a uma escolha pela maximização dos lucros a qualquer preço, por expandir mais e conservar menos, por informar pouco e faturar muito, por investir pesado em vendas e quase nada em assistência e suporte.

O CDC completa, no dia 11 de setembro, 26 anos de sua promulgação, e não é exagero dizer que ele prevê quase todas as situações aqui referidas. É uma das mais avançadas leis de proteção ao consumidor no mundo e ótimo guia de boas práticas.

O desafio que vivemos neste momento de expansão de serviços é, portanto, de passarmos das melhores leis para as melhores práticas. Essa não é uma tarefa só dos governos, mas também das empresas.

* O conteúdo desta coluna é elaborado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Direito ao Consumidor) e publicado neste espaço todas as sextas-feiras. Mais informações no site www.idec.org.br. 




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