Setecidades Titulo Morte em parque
'Ainda não consegui enterrar meu filho'
Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
18/03/2012 | 07:00
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Apesar de passados cinco anos da morte do jovem Arthur Wolf, 15 anos, em brinquedo do Hopi Hari, a sensação da mãe, a professora do Ensino Fundamental Marli Aparecida Satalo, 56, é a de que ele ainda não foi enterrado. À base de antidepressivos e acompanhamento psiquiátrico, ela revela que só está viva pela necessidade pessoal de busca por justiça, já que considera o parque culpado pela fatalidade.

Na semana em que se encerra o prazo de dez dias previsto em TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado no dia 1º de março, para que o Hopi Hari permaneça fechado, após a morte da jovem Gabriella Nichimura, 14, em 24 de fevereiro, arremessada de altura de 25 metros, Marli recebeu a equipe do Diário em sua residência, no Parque das Nações, em Santo André. O filho morreu após passar mal no brinquedo identificado como Labirinto, em 28 de setembro de 2007.

Em meio a fotos, ao tabuleiro de xadrez e jogos de Arthur, seis anos mais novo do que o irmão, André, a mãe abre o coração ao lembrar do período turbulento pelo qual passou toda a família. "Na primeira semana após a morte do meu filho, dormia quase o dia todo para tentar esquecer", destaca.

Auxiliada pela irmã, Marli procurou ajuda médica 15 dias depois da morte do estudante. Não fossem os dois tipos de antidepressivos que toma diariamente, ela acredita que não suportaria a dor. "Cheguei a pensar o que mais eu estava fazendo viva."

As imagens lançadas em cima da escrivaninha mostram um jovem alegre, talvez o mais sorridente da turma, sempre abraçado aos amigos e familiares. "Ele estava sempre sorrindo, gostava muito de dançar, era escoteiro, praticava esportes, era saudável", observa a mãe, enquanto mostra as diversas medalhas que Arthur recebeu por prática de handebol, futsal e xadrez, e que ela faz questão de guardar em pequeno baú.

Há cinco anos, Marli fazia pós-graduação na PUC (Pontifícia Universidade Católica) e estava completamente envolvida com o trabalho. Tinha uma vida ativa, participava de cursos, assembleias e seminários. "Hoje leciono da melhor forma possível, mas apenas cumpro a rotina da profissão. Não tenho mais vontade de me envolver", diz.

Durante todo esse período, a mãe precisou se afastar da sala de aula por diversas vezes. "Houve anos em que fiquei mais tempo em licença saúde do que dando aula", comenta. A principal dificuldade era lidar com crianças, muitas vezes com o mesmo nome e mesma data de nascimento do filho. "Entrava em pânico, tanto que não conseguia cantar parabéns para os alunos", recorda.

Faz dois anos que Marli consegue conversar com familiares e amigos sobre o assunto. Antes disso, o tema só era tratado com o psiquiatra e terapeuta.

ENTREGA - Na época da morte de Arthur, Marli estava separada do pai dos dois filhos havia cerca de um ano. Tradicionalmente, o filho mais novo ficava na casa do pai na sexta-feira à noite, participava do grupo de escoteiros no sábado pela manhã e voltava para a casa da mãe à tarde.

Diferentemente dela, o ex-marido deixou-se levar pela dor. "Ele se entregou", destaca. Inconformado com a morte do filho, passou a abusar do consumo de álcool. Em junho de 2008 teve aneurisma cerebral, ficou nove meses internado, apenas com os sentidos da visão e audição, e morreu em abril de 2009.

O filho mais velho, André, na época com 21 anos, precisou amadurecer mais cedo, segundo a mãe. "Ele me ajudou muito, cuidou do pai doente, da casa e da nossa vida", observa Marli. Hoje, aos 25 anos, está casado e mora na Capital.

Depois de precisar se mudar por três vezes, Marli estabeleceu residência no Parque das Nações. Isso devido à necessidade de evitar as perguntas e falta de compreensão por parte dos vizinhos e pessoas que se aproximavam. Mora sozinha. "Sempre tive muitos amigos, que me deram muito apoio, mas nunca quis casar novamente", revela. A tentativa hoje é para que a mãe, que a visitava no momento da entrevista, aceite morar com ela. "Está difícil, porque ela também mora sozinha", diz.

LUTA - O objetivo da vida de Marli é provar que o parque foi negligente e teria negado atendimento imediato ao filho no momento do acidente. "Eu estou viva para isso. Ainda estou com o caixão do meu filho nos braços esperando para enterrar", diz.

A delegacia seccional de Campinas concluiu inquérito policial sobre o caso em 2009. A investigação apurou que não houve crime e que o adolescente morreu por causa de uma parada respiratória. Segundo a mãe, o laudo não-conclusivo do IML (Instituto Médico-Legal) não aponta se a morte ocorreu em razão da fumaça de gelo seco espalhada no brinquedo, mas ela acredita que foi causada por choque anafilático devido à sensiblidade a produto químico.

Após ter passado mal, o estudante foi encaminhado ao Hospital Paulo Sacramento, em Jundiaí, onde sofreu duas paradas cardíacas. Na ocasião, a fumaça utilizada no brinquedo foi apontada como a provável causa do problema. A assessoria de imprensa do parque informou que Arthur foi prontamente socorrido, que o estabelecimento permitiu que o trabalho da perícia fosse feito e que decisão judicial isentou o Hopi Hari de culpa pela morte.

A mãe conta que lutou sozinha até o fim de 2009 - não tinha condições de pagar por um defensor -, quando conseguiu com que um advogado "abraçasse a causa". Em 2010, ela entrou com processo cível contra o Hopi Hari, em Vinhedo, mas não obteve sucesso. Desde então, segue na tentativa. "É uma luta desleal e desigual. Por vezes me sentia gritando no abismo, mas não vou desistir", comenta.

VIDA NOVA - Não só a vida de Marli foi modificada após a tragédia que se abateu em 2007. Segundo ela, a família toda passou por dificuldade. "Tivemos nossa vida destroçada."

Apesar das dificuldades, a união familiar foi mantida em eventos e datas comemorativas. Embora tristes e angustiados, estar juntos se faz necessário para que consigam se adaptar à dor, que ameniza, mas não acaba.




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