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Luthier Fernando Sardo faz sons sob medida
Nelson Albuquerque
Do Diário do Grande ABC
01/10/2004 | 10:25
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Nada de regras comerciais, nada de amarras acadêmicas e, principalmente, nada de cartilha artística. O músico e luthier andreense Fernando Sardo, 41 anos, anda em busca de sua própria sonoridade, no ritmo que ele próprio determina. "Estou compondo uma música e penso: 'Essa flauta poderia ter um som diferente'. Então, vou para a sala ao lado, faço a flauta e volto", diz o artista.

Sardo lançou seu último CD, Bambuzais, há quatro anos. Mas, no ano que vem, ele volta com mais dois discos, um solo e outro com o GEM (Grupo Experimental de Música). Mas não pense que ele precisou de todo esse tempo só para produzir estes trabalhos. Sardo dá aulas na Emia (Escola Municipal de Iniciação Artística), em Santo André, e na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Em sua própria casa, no bairro andreense Jardim Paraíso, ele mantém um estúdio de gravação e um ateliê. Além de músico e compositor, Sardo é criador e construtor de instrumentos musicais. "Fazendo os instrumentos, eu consigo explorar a minha música", diz. Até hoje, inventou cerca de 150 peças diferentes, sem contar suas variantes.

Tudo começou quando, aos 16 anos, quis participar de um festival de música da escola e, para não pedir ao pai, ele mesmo fez os instrumentos para toda a banda. "Rolou até um teclado", lembra.

Com o tempo ele percebeu que não havia "muita magia" em construir por exemplo uma guitarra elétrica, cujo som depende do captador. "É mais desafiante fazer um instrumento acústico, trabalhar os volumes, os timbres", afirma.

A vontade de experimentar materiais alternativos surgiu quando Sardo queria ter aula de cítara indiana, mas não podia comprar uma. "No sítio da minha tia, em Uchoa (interior de São Paulo), vi uma cabaça na beira de um chiqueiro. Peguei-a, e com um pedaço de bambu fiz a cítara. Isso me despertou um mundo acústico", conta.

Fora da ordem - Depois de dominar a arte de fabricar instrumentos tradicionais com materiais não convencionais, Sardo sentiu outra necessidade. "Surgiu a questão da invenção de instrumentos. Eu queria sair do padrão", diz.

Assim foram aparecendo as esculturas sonoras, entre elas o órgão de bambu, a flauta d'água, a citarola, o bambu de roda e o azulejofone. O artista divide suas criações conforme o material utilizado. Os instrumentos orgânicos são feitos de madeira, pedra, bambu e outras matérias-primas. Os sintéticos, produzidos com metal, papel, tubos de pvc, plástico e lata.

Segundo o artista, um instrumento nunca é igual ao outro. "Cada peça tem sua peculiaridade. A gente começa a vê-los como indivíduos", afirma. Sardo entende que isso possibilita ao músico uma maior exploração de sonoridades.

O músico considera a liberdade de criação algo essencial para o artista. "O ensino acadêmico é careta, pois boicota as pessoas de serem livres de expressão. Existem as receitas e segue-se os moldes. Hoje ouvimos e tocamos Bach e Beethoven, que foram geniais, mas foram geniais porque eles foram eles mesmos", diz.

O músico também aponta o processo de colonização como um dos culpados pela atrofia criativa dos brasileiros. "Por que o rap ficou mais próximo da gente que o repente?", questiona. Isso acontece desde que a cultura indígena foi ignorada para dar espaço aos costumes europeus.

Uma de suas obras, porém, prova que ele não é avesso à mistura de culturas. A citarola é um instrumento de cordas com dois braços: um de cítara indiana e outro de viola caipira, que junta dois mundos musicais, o oriental e o ocidental. "O problema é quando se perde a identidade. O bombardeio de valores da mídia pode acabar com uma nação".

Novas formas - Fernando Sardo pegou gosto pelo trabalho artesanal. "É bom estar em contato com a natureza, sentir o cheiro da madeira, a espessura". Daí, o passo para as artes plásticas foi curto. Suas esculturas sonoras passaram a interessar também pela beleza estética, sendo inclusive motivo de várias mostras. "Trata-se de uma exposição também educativa, pois estimula a criatividade", diz.

O músico, vira-e-mexe, fala em criatividade e liberdade de expressão. É um tema que também transmite em suas aulas na Emia, onde surgiu o GEM há cinco anos. O grupo construiu o dessintetizador, uma instalação sonora de 3m de altura na qual sete pessoas tocam diversos instrumentos. "A instalação está pronta e, ao mesmo tempo, nunca ficará finalizada. Ela é mutante, sempre pode-se tirar ou acrescentar instrumentos".

O GEM levará a obra ao Teatro Municipal de Santo André para uma apresentação no próximo dia 27. O repertório terá as músicas do CD a ser lançado em 2005. Haverá ainda a participação do grupo de dança andreense Trama Larga, dirigido por Miriam Matsuda, mulher de Sardo.

Trabalho e fama - O próximo disco solo de Sardo, ainda sem título, será bem diferente do anterior. "O Bambuzais tem um experimentalismo sutil, apenas no detalhe dos instrumentos. O novo trabalho será mais arrojado, com sons estranhos e pouco convencionais", conta. Para tanto, o artista vem construindo novas esculturas sonoras, como o sol e o pássaro, ambas de metal.

Todo esse trabalho "pouco convencional" pode não render a Sardo os mesmos dinheiro e fama conquistados por astros pop. Mas este parece não ser seu objetivo. "Fui convidado para dar entrevista no programa do Gugu (no SBT), e recusei. Não é o que eu quero, não vai acrescentar nada. Pelo contrário, pode até prejudicar, se a coisa não for bem explicada", afirma o músico, que logo em seguida faz uma ressalva: "Mas é claro que todo artista quer ser reconhecido".




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