ABC da Economia Titulo Coluna
A questão econômica no conflito Rússia-Ucrânia
Adhemar S.Mineiro
25/02/2022 | 00:01
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O grande evento na mídia dos Estados Unidos e da Europa desde o fim do ano passado é a possibilidade de um ‘aquecimento’ do conflito entre Rússia e Ucrânia, com uma eventual invasão da Ucrânia por tropas russas. Essa possibilidade se concretizou nas últimas 24 horas, com a entrada de tropas russas não apenas em áreas que já funcionavam de forma autônoma dentro da Ucrânia, como em todo o território ucraniano.

O conflito se estende desde que um governo ucraniano mais próximo dos russos foi ‘apeado’ do poder e sucessivos governos anti-Rússia se sucederam na Ucrânia, com um crescimento da possibilidade de que a Ucrânia entrasse para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar hegemonizada pelos Estados Unidos. Os russos temem que, se isso acontecer, mais mísseis dos Estados Unidos se alinhem ao longo de suas fronteiras, como aconteceu em outros países originados do desmembramento da antiga União Soviética (como os países bálticos, Letônia, Estônia e Lituânia), ou da antiga área de influência russa na Europa Oriental (como Romênia, Bulgária, República Tcheca e Polônia), aumentando o poder de fogo dos Estados Unidos contra a Rússia.

Assunto bastante complexo, em um momento em que avança rapidamente a conclusão do gasoduto entre a Rússia e a Alemanha pelo Mar do Norte. Nesse momento em que a Alemanha, com o novo governo empossado recentemente, busca acelerar a sua transição energética rumo a energias mais limpas, a conclusão e o funcionamento do gasoduto são fundamentais para abastecer a matriz energética alemã. Com a interpretação de que os ‘tambores da guerra’ começavam a tocar, os alemães ficaram em uma posição pouco confortável, uma vez que ameaçaram não comprar gás russo caso a invasão se concretizasse. 

Em razão disso, teriam que rever toda a sua estratégia energética – lembrando que a inflexão alemã em relação à antiga União Soviética, iniciada nos anos 1970 por governos social-democratas naquele país, visava exatamente atender às demandas de energia da economia alemã, escapando de interrupções de abastecimento ou escaladas de preços rotineiras pelas instabilidades políticas no Oriente Médio. 

Lembrando que a situação alemã se estende, em maior ou menor grau, a vários países europeus, a ênfase na Alemanha é só porque esse país funciona como a locomotiva econômica da Europa, e avançou mais na busca de uma integração energética (o que tem desdobramentos geopolíticos importantes) com os russos.

Do lado russo, a crise com a Ucrânia em meados da década anterior já tinha levado a sanções europeias e norte-americanas. Essa crise foi resultante de uma escalada de conflito e tensões permanentes no Leste e Norte da Ucrânia, onde se concentram populações de fala russa e mais próximas cultural e politicamente dos russos, além da autonomia da Crimeia (área que estava antes sob controle da Ucrânia, mas que sedia a frota russa no Mar Negro). 

Teve como consequência também uma aproximação mais orgânica entre Rússia e China, com uma agenda ampla e o estreitamento dos laços energéticos (leia-se, fornecimento de petróleo e gás) entre russos e chineses, com os russos fornecendo à China a energia àquela altura excedente pela redução das compras do lado europeu, em razão das sanções. Uma virada que também não era pouca coisa, e que desarmava tensões históricas entre Rússia e China, países que compartilham enorme fronteira comum.

No caso da China, existem dúvidas adicionais. A China está levando adiante a nível mundial seu grande projeto ‘Cinturão e Rota’, um importante projeto de integração econômica e reafirmação do papel da China como potência global. Um dos eixos fundamentais do projeto são as conexões de cadeias produtivas e mercados entre China e União Europeia. Parte grande da logística dessas conexões passa pela Rússia, e por países como Azerbaijão, Cazaquistão e outros, antigas repúblicas soviéticas na Ásia Central. Dependendo do aprofundamento econômico, diplomático e militar da crise, essa rota de conexão fica afetada.

Ou seja, Estados Unidos, União Europeia, China, Rússia, Otan e outros atores não estavam frente a uma crise qualquer, mas a uma conjuntura de crise de grandes proporções e consequências dramáticas para todos os envolvidos, resultando em mudanças geopolíticas estratégicas e que terão efeitos não apenas hoje, mas no futuro, além de uma agenda de definições importantes a serem tomadas por todos os lados, onde a economia globalizada é só um dos aspectos.




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