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São Caetano e Mauá são as únicas cidades da região com radar móvel

Especialistas afirmam que equipamento portátil está no centro do debate sobre a indústria da multa, crítica comum feita pelos cidadãos

Arthur Gandini
Especial para o Diário
15/11/2021 | 00:01
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André Henriques/ DGABC


São Caetano e Mauá são as únicas cidades do Grande ABC que ainda mantêm a estratégia de utilizar radares móveis na sua fiscalização de trânsito. Especialistas afirmam que os equipamentos portáteis estão no centro do debate sobre a existência de uma “indústria da multa”, reclamação comum de cidadãos.

Santo André desativou os equipamentos que mantinha em 2017 com a alegação de que desejava não mais atingir os motoristas com as chamadas “pegadinhas”, quando os radares móveis são colocados em locais com pouca visibilidade e resultam na aplicação de multas. Já São Bernardo e Diadema dizem ter abandonado os equipamentos com o objetivo de atender à resolução 798/2020 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), em vigor desde setembro do ano passado. A norma exige, entre outras regras, que os equipamentos sejam utilizados sem que ocorra a obstrução da sua visibilidade e em locais com potencial ocorrência de acidentes de trânsito.

Ribeirão Pires atualmente também não conta com esse tipo de radar e não informou a data em que o último equipamento foi desativado. Já Rio Grande da Serra não utiliza nenhum modelo de radar em sua fiscalização de trânsito, seja fixo ou portátil. O Diário ainda realizou diversas solicitações de informações à Prefeitura de Mauá, nas últimas duas semanas, sobre a utilização de radares móveis e não obteve retorno. A administração não informou a quantidade de equipamentos portáteis existentes.

Em nota, São Caetano esclareceu que conta com dois radares móveis na cidade. A equipe de reportagem apurou que é comum que os equipamentos sejam colocados em diferentes trechos da Avenida Guido Alibert. A administração diz que a Semob (Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana) “realiza estudos de forma periódica e prévia, antes de instalar os radares”. Em relação às críticas sobre as “pegadinhas”, o Paço argumenta que “mantém placas de sinalização de radares nas vias, mesmo não sendo necessário por lei. Além disso, tem por norma não colocar radares atrás de árvores ou postes”. Questionada sobre a extinção dos radares móveis, a Prefeitura, sob comando do prefeito interino Tite Campanella (Cidadania) informou que “não vê necessidade de estudos neste sentido”.
 
Falta de retorno

A Prefeitura de Mauá recebe todos os anos, desde 2015, reclamações contra radar móvel colocado em variados pontos da Avenida Oscar Niemayer. Exemplos são os trechos próximos à Avenida Ayrton Senna da Silva e ao Rodoanel Mário Covas. Ao todo, foram feitas 22 postagens na plataforma Reclame Aqui, site conhecido por reunir protestos de cidadãos contra empresas e o poder público. A maioria delas afirma que o equipamento estava escondido. “Ando com cautela por saber dessa armadilha. Sempre fiz compras em Mauá, mas, devido à minha insatisfação, vou lembrar de nunca mais ir aos shoppings e comércio da cidade”, escreveu usuário em fevereiro de 2021.

A administração respondeu somente às postagens até o ano passado com a orientação de que os cidadãos deveriam procurar os canais oficiais. Os contatos indicados foram os telefones 156 e 4512-7661, além do e-mail 156@maua.sp.gov.br. As quatro reclamações feitas em 2021 permanecem sem resposta.

Usuários na própria plataforma citam a falta de retorno para as postagens e a dificuldade em conseguir contato por meio dos canais oficiais. “Péssimo atendimento e argumentação para nos tirar dinheiro” e “sem palavras, um absurdo” são alguns dos comentários.

Um cidadão relatou não receber respostas do endereço de e-mail, informado pelo perfil da Prefeitura. “Até o presente momento ainda não obtive nenhum retorno. Como devo proceder neste caso?”, questionou. “Ressaltamos que os telefones para dúvidas são 156 e 4512-7661”, respondeu o perfil mauaense na plataforma.

O engenheiro elétrico Geraldo Assis, 40 anos, tenta contato com a administração de Mauá desde outubro de 2019 sem sucesso. “Nada, nem responder e-mail”, reclama. “Acabou que venceu o prazo de 30 dias (para ingressar com recurso contra a multa) e tive que pagar. Até hoje tento (contato) para saber porque aquele radar estava lá", afirma.

Questionada sobre as reclamações, a Prefeitura de Mauá também não retornou aos contatos do Diário.

Regras desestimulam radares móveis

Os especialistas avaliam que a resolução 798/2020 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) tem desestimulado o poder público a utilizar o modelo portátil. “Se não for respeitado (o que foi orientado pelo Contran), é passível de os condutores entrarem com recurso (contra a multa), baseado nesse item, e praticamente terem causa ganha”, avalia o consultor em trânsito, Nilson Durões.

A instrução normativa determinou que os radares móveis devem ser utilizados sem que ocorra a obstrução da sua visibilidade, do equipamento e de seu operador por “placas, árvores, postes, passarelas, pontes, viadutos, marquises, ou qualquer outra forma que impeça a sua ostensividade”. O equipamento portátil pode ser instalado até um limite de 500 metros de locais nos quais já haja radar fixo, no caso de vias urbanas e em trechos de vias rurais com características de zona urbana. Já nos demais trechos de vias rurais, o limite é de dois quilômetros.

Outra orientação é que o radar móvel seja utilizado, em vias urbanas e vias rurais com características urbanas, apenas quando a velocidade máxima permitida for igual ou superior a 60 km/h. Já na zona rural, a instrução diz que os equipamentos devem ser instalados quando a velocidade máxima permitida for igual ou superior a 80 km/h, em rodovias, e 60 km/h, em vias não pavimentadas.

A resolução também diz que deve ser realizado planejamento operacional prévio em locais com potencial ocorrência de acidentes de trânsito; que tenham histórico de acidentes de trânsito que geraram mortes ou lesões; e em que haja recorrente inobservância dos limites de velocidade previstos para a referida via ou trecho.

Creso de Franco Peixoto, mestre em transportes e professor de engenharia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), pondera as críticas em relação à arrecadação com as multas. Lembra que os governos não tem liberdade total na aplicação dos recursos. O artigo 320 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) determina que “a receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”.

O especialista também discorda que ocorram as conhecidas “pegadinhas”. “Na realidade, o que existe é a necessidade para fiscalizar, porque excesso de velocidade mata, aleja, traz tristeza e muito problema. Precisa fiscalizar”, defende.

Peixoto analisa que uma melhora nas plataformas digitais de envio de recurso contra as multas poderia diminuir as reclamações de cidadãos. “É claro, não basta colocar um sistema de fiscalização que não dê o direito pleno de o cidadão buscar os seus direitos”, lembra.

Para o consultor Nilson Durões, a melhor forma de fiscalização ainda é a presença do agente de trânsito. “Essa pessoa, além de intimidar mais e fazer com que haja mais respeito, é o que funciona”, sugere.




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