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'Coração de Tinta' permite leitura além da infantil
30/12/2008 | 07:01
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Em 1984, o diretor alemão Wolfgang Petersen fez o filme História Sem Fim, sobre um garoto que entra em um livro mágico e salva um reino ameaçado de destruição. Sua compatriota Cornelia Funk tinha 29 anos, na época. Ela sem dúvida viu História Sem Fim. A influência é transparente sobre a trilogia Ink, que Cornelia iniciou em 2003. O primeiro livro é Coração de Tinta. O segundo, de 2005, Sangue de Tinta. E o terceiro, de 2007, Morte de Tinta.

Juntos, formam a série Mundo de Tinta. Coração de Tinta virou filme, em cartaz em quatro salas da região. O protagonista é Brendan Fraser - desde A Múmia, seu nome é sinônimo de aventura recheada de efeitos especiais.

Ação, aventura, humor, uma pitada de horror, muitos efeitos - tudo isso faz Coração de Tinta. O filme dirigido por Iain Softley pertence à série de adaptações de best-sellers que dá o tom deste fim de ano, como Crepúsculo e Marley & Eu. Brendan Fraser era um belo ator quando fez Deuses e Monstros, de Bill Condon, mas a série A Múmia ajustou-o ao papel de clone de Indiana Jones. É o que ele volta a ser em Coração de Tinta.

O herói - Mortimer, ou simplesmente Mo - é um restaurador de livros que viaja com a filha, Meggie. Busca um livro, em especial. Na mesma hora em que encontra um raro exemplar de Inkheart, surge o misterioso Dedo Empoeirado. E começa a caçada.

Mo, ao ler Coração de Tinta, faz com que coisas escritas ocorram de verdade e personagens saiam das páginas - mas, para que isso ocorra, o livro absorve pessoas que lhe são próximas. Ele persegue uma cópia de Coração de Tinta para tentar restaurar sua família. A mãe de Meggie foi devorada pelo livro e o herói quer resgatá-la. Dedo Empoeirado, pelo contrário, foi expelido do livro. Ele quer voltar - para as páginas e para a mulher. O vilão Capricórnio, que se deu bem neste mundo, busca trazer uma força sinistra, o Sombra, para ampliar seu poder.

Meggie descobre possuir o mesmo dom do pai e, ao ler em voz alta O Mágico de Oz, de Lyman Frank Baum, ela resgata o cãozinho de Dorothy, Totó. A escolha deste livro não é fortuita. O Mágico de Oz, de 1900, é um marco na renovação da literatura infantil. Baum era um pedagogo que considerava os velhos contos de fadas obsoletos. Seu objetivo era criar histórias menos violentas, com figuras atraentes - e sem moralismo, pois o papel moralizador, ele acreditava, cabia à família e à escola.

Seu livro foi adaptado para o cinema em 1939 e virou clássico - impregnado de moralismo hollywoodiano, mas esta é outra história. De O Mágico de Oz e ...E o Vento Levou - ambos creditados a Fleming - até E.T., de Steven Spielberg, o cinemão desenvolveu os que talvez sejam seus temas mais tradicionais, a segunda chance e o retorno ao lar. É disso que trata Coração de Tinta.

Mo busca segunda chance para reconstituir a família, mas Dedo Empoeirado também quer voltar para o livro e para a mulher, tão bela que é interpretada por Jennifer Connelly. Dedo Empoeirado é Paul Bettany, cujo personagem é o mais complexo de Coração de Tinta. No início, ele parece integrar a gangue de vilões. Seu comportamento é ambivalente e pouco confiável, mas, no limite, Dedo Empoeirado é um homem desesperado que vai provar ser ético, também.

Coração de Tinta parece infantil, mas abriga uma construção ficcional interessante. Em busca de um exemplar do livro, Mo, Dedo Empoeirado e Meggie chegam ao próprio autor, interpretado por Jim Broadbent. Na hora H, Meggie vira a leitora e precisa dar provas de astúcia e inteligência, reinventando a história para impedir que o Sombra invada a Terra. Ao mesmo tempo em que a reescreve, ela também a lê, propondo novos rumos para a trama e alternativas para os personagens que nem o escritor havia previsto.

Usando a metáfora do livro mágico, o que Iain Softley procura dizer é que o leitor, ao se apropriar da história, faz dela experiência pessoal - mas é isso, exatamente, que se pode dizer do espectador que reorganiza o universo de qualquer filme no próprio imaginário.

Livro e filme falam sobre o triunfo da imaginação e não deixam de ter pequenas teorias da literatura e do cinema. Coração de Tinta deixa de ser tão infantil. Só depende de você, leitor/espectador.

 




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