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Camelô de farol ganha até 3 mínimos
Aline Mazzo e
João Guimarães
Especial para o Diário
25/11/2006 | 20:58
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Bala, chicletes, água, refrigerante, pipoca ao alcance da mão do motorista. Quem opta por adotar os semáforos da cidade como local de trabalho acaba ganhando mais do que quando pagava imposto de renda e tinha fundo de garantia depositado todo mês. A renda pode chegar até três salários mínimos, mas haja disposição para encarar sol, chuva e passar o dia todo se esquivando dos apressadinhos ao volante.

Como trabalham por conta própria, os camelôs de farol não fazem corpo mole e pegam no batente logo cedo. O melhor horário é o do almoço e no início da tarde, quando as pessoas estão mais dispostas a comprar guloseimas.

O tempo é curto e o dinheiro vem pingado. Nos segundos em que o semáforo fica fechado, eles já têm calculado quantos carros conseguem atender e com pés ligeiros e mãos ágeis fazem a sua oferta, na maioria das vezes ignorada pelos motoristas.

O ganho médio por dia varia entre R$ 25 e R$ 30, mas quando se tem muito movimento pode-se conseguir R$ 90, e um lucro de 300% sobre o produto. Esse dinheiro, na maioria dos casos, tem destino certo: aluguel, água, luz e alimentação.

Camelôs de semáforos entrevistados pela reportagem do Diário em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá disseram que já trabalharam com carteira assinada e que se surgisse uma oportunidade que compensasse, deixariam o mercado informal.

Segundo especialistas, essa oportunidade pode não chegar, já que sem qualificação profissional fica difícil ganhar mais do que um salário mínimo. Com isso, a informalidade atrai cada vez mais adeptos nas grandes cidades.

Mesmo com a renda um pouco mais poupuda, o trabalho – que é totalmente insalubre – não compensa, acredita o professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas) Marcio Pochmann. “Não se tem garantia de previdência, férias, 13º salário e, se a pessoa sofre um acidente, pode ficar sem a aposentadoria.”

Pochmann aponta que o baixo crescimento econômico do país aliado à reordenação da divisão do trabalho nas empresas, nas últimas duas décadas, foram os responsáveis pela precarização das condições de trabalho.

Francarlo Barros, 31 anos, sentiu na pele essa mudança econômica. Ele perdeu o emprego de segurança quando a empresa em que trabalhava decidiu terceirizar o serviço. Não pensou duas vezes antes de acompanhar o irmão na venda de balas no cruzamento das avenidas Giovanni Batista Pirelli com São Paulo, em Santo André. “Tenho mulher e dois filhos para sustentar e está difícil achar algo que dê mais dinheiro”, explica.

No início, quem dominava esse ramo eram os rodinhos ou flanelinhas que limpavam os vidros dos carros. “Essa atividade foi deixada de lado porque desagradava 90% dos motoristas”, observa o professor da disciplina de Direitos Humanos na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo Antonio Carlos Malheiros.

Dessa forma, os semáforos se tornaram pontos de venda de produtos alimentícios e pequenos objetos. Chocolates, amendoins, suco, refrigerante e bugigangas eram oferecidos em vários cruzamentos.

Com a chegada das balinhas ha cerca de três anos, as outras modalidades foram abandonadas e os pequenos doces espalharam-se com rapidez. A ambulante Solange Fátima Ferreira, 29 anos, de São Bernardo, explica o porquê do sucesso. “O chocolate é ruim de vender porque derrete. Refrigerante e água são pesados de carregar e precisam estar gelados. Sem falar que não dá para fugir na hora do rapa.”

Para os jovens que não têm dinheiro para investir no novo empreendimento, a solução foi aprender malabarismo e até truques de mágica para se apresentar diante dos motoristas. Assim, o dinheiro fica integralmente para eles.

Mesmo sendo uma opção lucrativa, a venda no farol representa a crescente exclusão social, como explica Malheiros. “Essas pessoas estão cada vez mais defasadas para retornar ao mercado de trabalho e são necessárias medidas urgentes.”

Uma boa opção, para o professor da PUC, é a abertura de frentes de trabalho e a capacitação dessas pessoas, como uma educação complementar técnica. Já Pochmann aponta para um ramo promissor. “Com um déficit de 7 milhões de moradias, poderíamos investir na construção civil e atrair os trabalhadores informais para voltarem a ter carteira assinada”, explica. Para ambos, as soluções dependem exclusivamente de vontade política e maior preocupação com os mais de 9 milhões de desempregados do país.



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