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Concessão de medidas protetivas cresce 55% durante o primeiro bimestre no Grande ABC

Dados dos primeiros dois meses deste ano mostram que volume de mulheres que pediu a proteção chegou a 493, ante 317 em 2020

Aline Melo
21/03/2021 | 00:40
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Joana (nome fictício) tem 32 anos e é recepcionista. Há pouco mais de um ano, deixou a casa onde morava com os filhos e o ex-marido no Grande ABC para fugir da violência doméstica. Levou consigo as duas crianças, as roupas e os móveis que o pai de seus filhos ainda não tinha vendido para comprar drogas. Foi uma longa jornada até que ela pudesse quebrar o ciclo da violência.

Até conseguir reunir as forças para mudar de vida, a jovem apoiou o ex-companheiro em internações para tratar o vício e em prisão por tráfico. “Abri mão de cursar a faculdade, o vi vender nossos móveis, nosso carro, passei noites em claro com medo de ele chegar drogado e fazer alguma coisa comigo ou com meus filhos”, relembrou. O desejo de manter sua família fez com que ela desistisse de boletim de ocorrência por ameaça feito em 2016, até que, em novembro de 2019, finalmente pode se libertar, conseguiu medida protetiva (que o impede de se aproximar dela) e com apoio de rede institucional de acolhimento está reconstruindo a sua vida e sua dignidade. “Conto minha história para que outras mulheres possam saber que é possível sair da violência.”

Nos dois primeiros meses deste ano, 493 mulheres do Grande ABC obtiveram medidas protetivas de urgência, que visam afastar das mulheres potenciais agressores, quando há risco de vida para elas. O número é 55,5% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)  concedeu 317 documentos (veja dados na tabela). Em dois anos, o aumento no número de medidas concedidas em todo o Estado foi de 73%, passando de 30.352 em 2018 para 52.610 em 2020.

A divulgação dos números é parte de esforço do TJ para estimular as mulheres a denunciar a violência e sensibilizar a sociedade sobre diferentes tipos de violações. Para isso, o TJ lançou em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a campanha #Rompa, com divulgação em redes sociais do hotsite www.tjsp.jus.br/rompa. A campanha é uma parceria com a Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).

Coordenadora do primeiro anexo de violência doméstica e familiar contra a mulher da região, que funciona no Fórum de Santo André, a juíza Teresa Cristina Cabral, destacou que é preciso aumentar a discussão sobre o enfrentamento da violência de gênero. “É fenômeno complexo que não tem resposta pronta nem mágica”, apontou. Para a juíza, o aumento no número de medidas protetivas reflete avanço da gravidade das violências, mas mostra que mais mulheres estão sendo acesso à rede de proteção.

Outro fator apontado pela magistrada para aumento no número de medidas foi a possibilidade da vítima fazer o boletim de ocorrência pela internet e solicitar a medida protetiva. Caso os dados tenham sido informados corretamente, o pedido já é encaminhado ao Judiciário. “Sabemos que nem todas mulheres têm acesso à internet, mas para aquelas que têm, isso já é uma ajuda”, completou. “A medida protetiva pode evitar um feminicídio”, concluiu.

Mapeamento mostra subnotificação de feminicídios no Estado e na região

Estudo divulgado em 4 de março pela Rede de Observatórios de Seguranças mostra subnotificação nos casos de feminicídios no Estado de São Paulo e no Grande ABC. A rede faz a coleta de dados por meio do acompanhamento das notícias veiculadas na imprensa. Segundo o levantamento, foram  noticiados 220 crimes em São Paulo e 11 no Grande ABC em 2020, mas os dados oficiais da SSP (Secretaria da Segurança Pública) apontam o registro de 163 ocorrências no Estado e sete na região. A divergência pode ocorrer porque, em alguns dos casos, o crime foi registrado como homicídio, sem o agravante do feminicídio.

Para a pesquisadora da Rede de Observatórios de Segurança em São Paulo, Francine Ribeiro, ainda prevalecem avaliações subjetivas e pessoais por parte de delegados na hora de qualificar as mortes de mulheres e identificar os feminicídios. Ela defendeu a ampliação das delegacias das mulheres, o aumento das unidades que funcionam 24 horas e mais qualificação para os servidores. “É necessário que exista uma formação e uma sensibilização nas delegacias comuns no entendimento dos crimes direcionados às mulheres, porque, na medida em que se diagnostica o problema, políticas públicas podem ser criadas para auxiliar as vítimas e promover maior segurança e dignidade”, afirmou.

Francine apontou que muitas vezes os pesquisadores da rede se deparam com notícias que relatam como homicídio casos que claramente se tratam de feminicídio, seja pelo histórico de agressões que a vítima passava como pela relação com o criminoso. “Ou seja, falta esse entendimento tanto para os agentes de segurança que tratam diretamente com as ocorrências, como para a mídia que reproduz essas informações”, pontuou.  

A pesquisadora lembrou, ainda, que, além de garantir a medida protetiva, é preciso que o poder público amplie e fortaleça a rede de atendimento e acolhimento das vítimas de violência doméstica. “Para a proteção da mulher, várias frentes de ação devem ser pensadas, tanto no que diz respeito à seguridade social – retirando-a da dependência econômica de terceiros por meio de auxílios financeiros e a sua capacitação, até ações mais urgentes como a criação e a disponibilização de abrigos”, citou. Como medidas de curto, médio e longo prazo, Francine defende a proliferação de políticas educacionais de conscientização da sociedade em defesa da mulher combatendo o machismo. “Acredito que a maior sensibilização dos agentes de segurança acompanhada de ações efetivas para o provimento do cuidado das mulheres sejam fundamentais”, finalizou ela. 

Projeto acolhe as vítimas de violência na DDM de Santo André

Há três anos, parceria entre a Proleg ( Promotoras Legais Populares de Santo André) e a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) do município oferta acolhimento às vítimas de violência doméstica que procuram o atendimento na unidade policial. O projeto DDM Amiga foi implementado pela delegada titular Adriane Bontempi, como estratégia para fazer com que as mulheres tenha acesso e se apropriem dos seus direitos. 

O programa atende a mulher que chega até a delegacia, oferece escuta qualificada, apoio psicológico e orientação jurídica, para ajuda-la a entender não apenas o ciclo de violência em que se encontra, como saídas possíveis, além de encaminhamento para rede de apoio. Os encontros ocorrem na delegacia e, antes da pandemia, também eram realizadas rodas de conversa. 

Integrante da coordenação do Proleg, a psicóloga Claudia Giovania Batista, 52 anos, explicou que quando ocorre essa escuta, a mulher que é vítima de violência recebe ajuda para entender a situação a contextualizar a narrativa, para colocar as emoções em ordem. As promotoras que atuam no projeto passaram por formação da própria Proleg.

O resultado são boletins de ocorrência melhor elaborados e melhores atendimentos, atestou a delegada Adriane. “Os relatos são mais claros, ela entende que não é só a violência física que precisa ser denunciada”, citou. “Esse é exemplo de como a sociedade civil pode colaborar e trabalhar junto com a forças de segurança pública para garantir os direitos das pessoas”, finalizou. 




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