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Eucaliptos resistem no João Ramalho
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
06/02/2011 | 07:11
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O barraco em que Francisca Ferreira de Oliveira, 53 anos, vive e no qual instalou sua vendinha tem característica que foge do convencional: um belo exemplar de eucalipto. Mas não é no jardim, e sim no meio da parede de madeira. Dali a árvore se insinua para o alto sem se importar com o que abriga debaixo de seus galhos. Quando venta demais, balança impetuosa, e pedaços dela já caíram sobre o telhado simples da moradia de Francisca.

No Parque João Ramalho, em Santo André, ninguém acha estranho ter uma árvore dentro de casa. A favela nasceu e cresceu ao redor dos eucaliptos. Muitos foram derrubados para dar lugar ao povo que começou a chegar há cerca de 14 anos, mas outros permanecem de pé até hoje. "O problema aqui não são os deslizamentos. São os galhos de árvore que destroem os barracos", contou o pedreiro Moacir de Oliveira Costa, 30.

Há moradores ali que se lembram bem de quando todo o morro, localizado entre o Jardim Alzira Franco e a Vila Curuçá, era tomado por grandes e vistosos eucaliptos. Alice Constança da Conceição é um deles. Aos 80 anos, confunde as datas, mas lembra dos fatos: chegou ali pelas mãos de um tal de Alemão, que invadiu o terreno depois de se cansar de passar os dias em um abrigo temporário. "Removeram a gente do Capuava por causa das enchentes. Quando a chuva vinha de Deus, meu barraco virava um mar", contou.

Dona Alice saiu do mar para a selva. "Quando cheguei, levei um susto: como a gente ia morar no meio da floresta? Depois fui gostando do verde". A mata fechada não durou muito: as árvores foram dando lugar aos barracos. Mesmo ‘gatos', e o esgoto corre a céu aberto entre os eucaliptos.

Natureza?

Mas não é só de árvores que vive a favela. Ali as vias tem nomes como Rua dos Ventos, Pôr do Sol e Da Lagoa. O que se vê nelas, porém, é lixo.

Pontos de descarte irregular incomodam os moradores. O cheiro é quase insuportável, e na pilha tem tanto restos de alimentos como roupas e móveis velhos. "Os próprios moradores vêm jogar o lixo deles na porta da gente e fica essa coisa feia aí", acusou a dona de um mercadinho, Josileide Silva Cruz, 35. Os eucaliptos não tornaram a favela tão ecológica assim.

Grávidas compartilham sonhos e vida que está por vir

Lindalva Santos Siqueira, 35 anos, e Aurileide Ferreira de Souza, 34 anos, têm algo em comum além de viver no Parque João Ramalho, em Santo André. Ambas estão grávidas e compartilham sonhos e esperança de uma vida melhor para os filhos.

"Quero criar meu bebê como criei a Jaqueline", disse Aurileide sobre a filha de 14 anos, "uma moça", como ela define. A gestação de quatro meses ainda não permitiu a descoberta do sexo da criança, mas o sexto sentido de mãe fala mais alto. "Acho que é homem", previu.

A vizinha Lindalva tem certeza: está grávida de oito meses e espera para logo o pequeno Danilo. Será o terceiro filho a preencher com seu choro e seu riso a casa simples que o marido ergueu trabalhando como cozinheiro. "Hoje ele está fazendo bicos, mas tenho fé que logo vai conseguir alguma coisa fixa", disse.

A dona de casa não fica parada: aproveita a mão boa para fazer doces e bolos sob encomenda. "Estou morando há 11 anos aqui no João Ramalho e não pretendo sair. Criei meus filhos na favela e o Danilo também vai ser assim", garantiu.

No meio da sala da casa, cinza porque não está pintada, um escorregador colorido espera a chegada do próximo filho. "Meu marido achou na rua. Você não tem ideia do que as pessoas jogam no lixo. E a gente aproveita. Assim é a vida". Vida essa que segue em meio aos eucaliptos.




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