Palco da maioria de meninos que ensaiam os primeiros passos com a bola, os campos de várzea, que já revelaram inúmeros craques Brasil afora, dividem a opinião de dirigentes e ex-jogadores quanto a sua relevância para a descoberta de talentos.
A discussão se dá porque, com o crescimento das cidades (veja quadro abaixo), sobretudo os médios e grandes centros urbanos, esses espaços são cada vez mais raros. Estão dando lugar a residências, comércios, indústrias e escolinhas de futebol.
Um exemplo é o campo do Curuçá (avenida Itamarati, em Santo André), que após quase meio século de existência, virou conjunto de prédios de apartamentos. Assim, a garotada que se interessa por futebol está tendo que recorrer às escolinhas, aos campos de futebol society, geralmente pagos, ou às quadras de escolas ou dos ginásios poliesportivos municipais. Esses espaços são hoje os novos laboratórios de craques.
O Grande ABC conta hoje com 101 campos de futebol em uso pelas ligas amadoras. "O desaparecimento desses campos traz prejuízos ao desenvolvimento do talento, porque os meninos acabam indo muito cedo para as escolinhas. Ali ficam amarrados às regras táticas, o que inibe um pouco a característica do jogador. O contato com a bola, o pé descalço ainda é um ingrediente importante para desenvolver a habilidade", avalia Ivan Baitello, auxiliar-técnico e coordenador das categorias de base do São Caetano.
No entanto, segundo Ivan, tal mudança também agrega benefícios ao potencial dos aspirantes a atleta. "Como as quadras society das escolinhas têm espaço reduzido, isso ajuda o jogador a exercer o raciocínio rápido, a criatividade, pois não tem muito tempo para ficar com a bola nos pés."
O coordenador-técnico de futebol do Santo André, Ricardo Najavas, entende que os terrões hoje não são mais imprescindíveis na introdução da garotada no futebol.
"Quem sonha ser jogador precisa ter iniciação esportiva, como é no vôlei. Nesse aspecto, acho que o poder público tinha de investir mais no social, na prática esportiva, na criação de escolinhas para que depois os que realmente se mostrarem talentosos sejam encaminhados aos clubes", sugere o dirigente.
Para Najavas, é preciso mudar o conceito de que os terrões são a ponta de lança da meninada para a prática do futebol.
"Um possível talento não sai só da periferia. Por que não de clubes como Aramaçan ou a extinta Pirelli? Esses meninos têm de ser direcionados na vida, entenderem que para se tornarem atletas de alto rendimento precisam, além do talento, dedicação integral. No futebol, o jogador hoje é preparado para ser atleta, não é mais só jogador."
O comentarista de tevê e ex-goleiro do Corinthians, Ronaldo Giovanelli, evita polemizar e compartilha das opiniões de Najavas e Ivan Baitello.
"As escolinhas têm dimensões reduzidas, servem para quem mora em condomínio, onde há pouco espaço. Mas acho que nada mudou. Quem mora na Zona Leste vai continuar jogando no terrão. Se não tiver mais, joga na rua. Quem tem talento tem, independentemente de onde mora. O mais importante é pensar na educação desses meninos, porque só vinga quem sabe jogar e está disposto a se sacrificar, acordar cedo e treinar duro. Fato é que poucos estão dispostos a isso", resumiu ele, com a propriedade de quem iniciou a carreira no terrão da Fazendinha, nas categorias de base do Corinthians.
‘Só moeda forte segura craque no País', analisa especialista
Ao mesmo tempo em que se discute o desaparecimento da várzea, especialistas em futebol demonstram preocupação com a saída em ritmo cada vez mais veloz de jovens brasileiros para o Exterior. A solução para reverter o quadro, apontam, está na solidificação da economia do País e na abertura do mercado, com maior participação das empresas no meio esportivo.
"O euro vale quase três vezes mais que o real. Os bons salários é que levam nossos meninos a buscar outros mercados. Não tem outro caminho. Isso só vai mudar quando tivermos economia forte, as empresas entenderem que o esporte dá retorno e passarem a investir mais, não só no futebol, mas em outras modalidades também", avalia o advogado Gustavo Normanton Delbin, diretor do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo).
Segundo o magistrado, a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada (2016) vão ajudar o Brasil neste sentido. "Na Olimpíada, por exemplo, por ser país-sede o Brasil terá de investir na formação de atletas em dezenas de modalidades, não apenas em instalações esportivas. Os patrocinadores vão ter o interesse de ver seu nome associado ao evento. Já a Copa do Mundo é altamente lucrativa. Tenho certeza que esses dois eventos mundiais vão ajudar a alavancar a nossa economia e, em breve, com moeda mais forte, poderemos ver nossos craques nos campeonatos regionais", torce.
Na opinião do diretor do IBDD, o Brasil não precisa aprimorar a legislação esportiva para inibir a saída de brasileiros, muitos deles ainda menores, para o Exterior. "A Lei Pelé e a legislação da Fifa são modernas e eficazes neste aspecto. Proíbem a transferência de menores de 18 anos", resume.
Delbin explica que há apenas três exceções que permitem a saída de menores de um país para outro. A primeira quando a família mora em uma região de fronteira com o país onde o garoto vai jogar, desde que a distância não seja superior a 100 quilômetros (50 da residência à fronteira e outros 50 da fronteira até o clube). A segunda não considera transferência internacional entre países integrantes da comunidade europeia (desde que os garotos tenham entre 16 e 18 anos) e a terceira é quando os pais vão trabalhar fora do país, desde que a atividade não tenha relação com o futebol.
"Um exemplo é o caso Messi (atacante argentino do Barcelona). Os pais dele foram para a Espanha quando ele ainda era menino. Lá, descobriu-se que ele tinha talento para o futebol. É verdade que a terceira exceção é a mais subjetiva, porque acaba abrindo portas para o trabalho (de adolescentes) fora. Possibilita eventual fraude, mas a Fifa acompanha isso atentamente", destaca Delbin.
A Lei Pelé garante ainda ao menor o direito à profissionalização a partir dos 16 anos e obriga os clubes, aos quais esses jovens estão vinculados, a mantê-los matriculados nos cursos regulares do sistema de ensino. "Nossa legislação em termos esportivos é uma das melhores do mundo, a exemplo da alemã e a inglesa. Portugal e Espanha até usam a nossa como modelo", conta o diretor do IBDD.
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