Cultura & Lazer Titulo Plínio Marcos
'Dois Perdidos...' no século 21
11/03/2010 | 07:00
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André Garolli sem dúvida é um dos diretores brasileiros mais talentosos entre os revelados já neste início de século 21. Ator formado no Grupo Tapa, em 2003 ele iniciou com Rumo a Cardiff uma série de encenações de peças curtas de Eugene O'Neill, todas sobre a dura vida de marinheiros de último escalão, num projeto chamado "Homens ao Mar", que incluiu ainda as peças "Zona de Guerra" e "Longa Viagem de Volta para Casa".

Pois Garolli agora sai do mar e se volta para um autor que cresceu no universo do cais do Porto de Santos: Plínio Marcos. Amanhã, no Sesc Vila Mariana (tel.: 5080-3000), estreia sob sua direção "Dois Perdidos Numa Noite Suja", com os atores Igor Kovalewski e Reinaldo Taunay.

Garolli foi convidado pelos atores para a montagem. "Eu tinha muitas dúvidas. Não entendia direito para quem fala Plínio Marcos nos dias de hoje." Na década de 1960, causou impacto revelar no palco a fragilidade e o desamparo que impulsionavam atos violentos e faziam sofrer prostitutas, assaltantes, cafetões ou trabalhadores no limite da sobrevivência. Mas atualmente os chamados ‘excluídos' estão mais do que nunca sob os refletores. Ainda que nada tenha mudado substancialmente em sua condição de vida, ou subsistência, tal exposição sem dúvida altera a recepção dessa dramaturgia.

"Penso no filme "Cidade de Deus". Aquele condomínio foi criado na década de 1960 para remoção de uma favela do Rio. Era preciso colocar à margem da cidade aquela população. Foram jogados ali e não se criaram as condições para uma cidadania plena. Era sobre isso que Plínio falava na década de 1960, para o tráfico e o assalto como únicas saídas de sobrevivência. Hoje existem muitos programas, como o Bolsa-Família, mas será que o assistencialismo estrutura as pessoas? Eu não sei. Não sei aonde isso tudo vai dar."

O trabalho sobre o texto mostrou que sentidos podem ser ampliados. Tonho quer trabalhar, mas ele precisa de um sapato para conseguir o emprego. Paco tem o sapato, mas usa como recurso de poder. "Há sempre algo de perverso na relação entre os personagens de Plínio. Um tem o que o outro quer, mas o outro não cede. Unidos, Paco e Tonho seriam mais fortes." Garolli fala da peça como metáfora da sociedade. Há muito dinheiro acumulado por poucos, e muita miséria. Ninguém cede.

Mas o medo da violência acaba por igualar a todos. O público verá uma montagem enxuta. "Começamos de forma naturalista, tinha quarto, objetos. Agora são só dois caixotes e mais nada. Ficou mais humano, existencial. Plínio não apazigua. Coloca dois homens em circunstância extrema. O herói se supera pela transformação positiva. Tonho nesse sentido é o anti-herói. Seu destino está traçado pela condição social." E ele vai cumprir sua trajetória rumo ao abismo. Mas não vai sozinho.




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