Economia Titulo Placas
Anúncios geram empregos na região
Everson Garcia
Vinícius Souto
14/12/2009 | 07:12
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Placas. São muitas. Em sequência, poste a poste. Colorem e, ao mesmo tempo, poluem visualmente as grandes cidades. Em São Bernardo não é diferente. As avenidas estão tomadas por anúncios de luxuosos empreendimentos imobiliários. Espaço gourmet, piscina com deck, área para tai chi chuan, amplas suítes. Tudo estampado em cores fortes, a fim de atrair não só o olhar como nosso dinheiro.

As placas dão dicas sobre os atributos dos prédios e informam a localização do estande de vendas. Talvez, o leitor não perceba, mas essas placas não estão sozinhas. Sempre acompanhadas. Uma companhia, muitas vezes, invisível para aqueles que andam rapidamente. São silenciosos trabalhadores que passam sábado e domingo ao lado dos anúncios. De pé e uniformizados, com boné e camiseta.

Maria Rita, 53 anos, moradora de uma favela no Jardim Santo André, é mais uma entre muitos que compõem a paisagem da Avenida Pereira Barreto, que corta Santo André e São Bernardo. Cabelos brancos, rosto enrugado e disposição de uma menina. "Faz só duas semanas que comecei a trabalhar com isso. Acho que vai dar certo. Faço para sobreviver. Moro sozinha e todo bico que aparece, eu pego para ganhar um dinheirinho".

Como é nova no pedaço, Maria procura seguir à risca as orientações do patrão. Ela interrompia nossa conversa a cada carro branco que passava na avenida, pois, em algum deles, poderia estar o supervisor. "Ele passa para ver se a gente está fazendo tudo direitinho. Se vir alguém sentado, reclama e dá bronca".

Sentar devido ao cansaço, apesar de proibido, é justificável. O expediente destes trabalhadores começa às 9h e termina às 18h. Eles têm direito a uma hora de almoço. Na maioria, marmitas, engolidas ali mesmo, na calçada, sob alguma cobertura. "Hoje eu trouxe o básico: arroz, feijão, carne e tomate. Vou comer frio mesmo", disse Maria.

Sem se preocupar muito com a qualidade da refeição, está Tariany Kesley, 16, que acordou cedo e veio de Guaianazes, Zona Leste de São Paulo. "Tem dia que trago só um pacote de bolacha. Hoje trouxe um salgadinho e uma garrafa de água. Assim, é bom porque eu não engordo".

Bem-humorada Tariany, que está no segundo ano do Ensino Médio, diz que os pais não gostam que ela faça esse tipo de trabalho, mas a garota rebate, com a solução. "Se eles me dessem o dinheiro que ganho aqui, eu não vinha. Se ficar em casa não ganho nada. Então, venho para poder comprar minhas coisas. Gasto com doces, revistas e roupas".

São nove horas de trabalho no sábado e mais nove no domingo. Cada dia rende, em média, de R$15 a R$ 25, dependendo da empresa contratante. São pagos pelo supervisor em dinheiro, no meio da tarde, em um envelope. Mas a remuneração pode sofrer descontos.

Se a pessoa não quiser se deslocar ao local de trabalho por transporte próprio e preferir a van da empresa, menos R$ 5. Outro exemplo: uma dessas empresas oferece um banquinho plástico, sem chance de recusa, porém, cobra R$ 2,50. "Eu acho melhor ficar de pé e receber mais, mas não tem jeito. Eles já dão o banquinho e descontam. Tenho de aceitar. E se por acaso perder alguma peça do uniforme são cobrados R$ 50", contou Jaqueline Santos, 19, moradora do Jardim Silvina.

 

Babá de placa é profissão tida como complemento de renda

Everson Garcia
Vinícius Souto

Cintia de Matos, 31, trabalha junto com a irmã mais nova, Cilene, 29. "Já faço isso há dois anos. Quando vi que era coisa boa chamei minha irmã". Ambas estudaram até a 6ª série e moram nos fundos da casa do pai, em São Miguel, bairro da Zona Leste de São Paulo.

As duas, como todos os outros, não sabem dizer o nome da função que exercem durante os fins de semana. Cilene tentou. "Esta profissão tem nome? Sei lá. Nós dizemos que somos seguradores ou olhadores de placa". Mas qual o motivo de alguém ficar o dia todo ao lado de uma placa sem ao menos saber o nome do que está fazendo?

A supervisora Jaqueline Silva, 34, explica que se não houver ninguém "vigiando", os fiscais da prefeitura levam a placa. Então, se o empreendimento imobiliário aposta nesse tipo de publicidade, precisa contratar uma agência que se responsabilize pelos olhadores de placa, que Jaqueline chama de promotores.

"Um puxa o outro, se tem placa, tem gente", disse ela. E completou: "A preferência é por mulheres e sempre acima dos 16 anos, apesar de você encontrar crianças de 14 anos, 15 anos por aí".

De fato, a maioria é feminina. Há, claro, exceções. Maike Nunes Santos, 16, é uma. Ele trabalha concentrado, ereto ao lado e como um poste. Sério e de poucas palavras, veste por baixo do uniforme três blusas, apesar do sol que castiga não só o repórter como todas as placas e as respectivas companhias.

"Já fui garçom e entreguei panfleto, mas meu sonho é ser jogador de futebol. Jogo numa escolinha da Portuguesa, em Guaianazes". O garoto, que se define como um meia de armação rápido, trabalha porque precisa ajudar em casa, ainda mais agora que tem uma irmã recém-nascida. E se coincidir jogo do campeonato e um dia de trabalho? "Ah, eu falto!". Falta onde, Maike? "No trabalho, claro. Não tem como comparar, o jogo é bem melhor".

Não parece, mas Maike ainda é um adolescente, o sonho vale muito. A realidade, mesmo cansativa, não é problema para ele. "Já acostumei a ficar o tempo todo de pé. Com um celular o tempo passa rápido, dá para ouvir música e mandar mensagens para os amigos."

Patrícia Regina Silva, 30, mora sozinha na Vila São José, em São Bernardo. Durante a semana, faz faxina em casa de família. "Se desse, ficava só com a faxina, porque dá para tirar R$ 80 por dia. Mas está difícil. Não tem sempre". Porém, ela garante que a vida ao lado da placa já tem prazo para terminar. "Só mais um ou dois meses e chega. Estou aqui para pagar meu curso de informática. Falta um mês para acabar". A mensalidade do curso é R$ 290, o equivalente a seis fins de semana, de pé, uniformizada, em alguma avenida. Com a placa.

O boné na cabeça, jaleco no corpo, panfletos na mão e o sorriso no rosto. Rosenilda da Hora Santos, 41, reveza entre ser babá de placa e entregadora de folhetos no semáforo. "Placa dá sono. No farol, mesmo tendo gente que não respeita, que fecha o vidro na cara, é mais legal. É mais animado. A hora passa mais rápido".

Abandonada pelo marido, precisa ser monitora de uma escola municipal de São Bernardo e ‘anunciante' de prédios para sustentar os quatro filhos. "Por dia, entrego mais ou menos 500 panfletos. Se acabar, o supervisor passa e me entrega mais um monte. Teve dia que entreguei mais de 3.000 folhetos. Se eu trabalhasse por papel, estava ótimo".

O ‘imóvel de Rosenilda' oferece opções de três ou quatro suítes, quatro vagas e, entre muitas outras regalias, sala de fitness, prainha molhada e sala para descanso. Ela, que descansa pouco, mora em casa alugada. Nem deve saber o que é paisagismo, home theater e outros adereços do condomínio. Ela diz que nem imagina o valor do empreendimento que anuncia. A reportagem insiste para que ‘chute' um preço. "Uns R$ 10 mil ou mais?". Mais, muito mais. À vista, a partir de R$ 365 mil.

Jacinta Maria de Jesus, 43, também nordestina, sabe que é coisa cara, mas, da mesma forma que sua colega Rosenilda, passa longe de acertar. "Sei que se eu passar a vida inteira trabalhando aqui, não conseguiria comprar. Aposto em R$ 50 mil. Certo?". Não. O apartamento que ela ostenta na camiseta começa em R$ 500 mil. Seria necessário pouco mais de 208 anos para Jacinta comprar um imóvel como esse, ganhando os R$ 50 por fim de semana.




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