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‘Vestido de Noiva’ em roupagem contemporânea
08/02/2008 | 07:11
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É uma peça fetiche. Assim Rodolfo García Vázquez, diretor do grupo Os Satyros, define Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, cuja encenação por ele dirigida estréia hoje no Itaú Cultural em temporada relâmpago. Como convidada especial, a atriz Norma Bengell, no papel de Madame Clessi, une-se aos integrantes da trupe.

“Descobrimos a forte atração que essa peça exerce sobre o público na leitura dramática que realizamos no ano passado”, diz Rodolfo na platéia do teatro, no intervalo de uma tarde de ensaios. “Todo mundo que conhece o texto tem uma opinião para dar, quem não conhece já ouviu falar, quer ver no palco, tem curiosidade.”

Dirigida por Ziembinski (1908-1978), marco na história do teatro, a primeira montagem tornou-se uma espécie de fantasma a perseguir todos os diretores que se arriscam a encenar esse texto. Manter os famosos três planos de ações simultâneas ou fugir deles? A opção de Vázquez não foi a de ignorar a montagem original, mas de efetivamente dialogar com ela, com muita liberdade.

“Achamos importante nos desvencilhar da tradição buscando a mesma ousadia que fez dessa montagem um marco”, afirma Vázquez.

CONSTRUÇÕES

No palco, os tecidos brancos sobre o cenário vertical e a escada lateral remetem à famosa imagem do cenário criado por Santa Rosa. Estão ali os planos verticais da cenografia original. Mas diferenças logo aparecem.

Na encenação dos Satyros, Alaíde (Cléo de Paris), a atropelada, vê mulheres dançando no bordel de Madame Clessi no plano mais baixo – supostamente o da alucinação.Mas é na parte superior do palco que surge Norma Bengell, no papel da cafetina Madame Clessi cantando. Mas esse deveria ser o plano da memória e Clessi é a cafetina do bordel?

Bem, é também o plano da memória. Isso logo fica claro porque nesse mesmo ponto do palco o espectador vai flagrar a discussão de Alaíde com sua irmã Lúcia (Nora Toledo) no momento em que a primeira se veste de noiva para casar com Pedro (Ivam Cabral), cena que faz parte do resgate de ‘lembranças’ de Alaíde.

Nessa cena, Vázquez utiliza o recurso do teatro de sombras, o que resulta não só em um bonito efeito, como serve dramaticamente ao clima de mistério em torno da mulher de véu, cuja identidade custamos a conhecer. Mais que formal, há aí uma diferença conceitual importante.

Na década de 1940, o cenário vertical servia para separar, com precisão, as ações que se passavam na realidade – uma mulher atropelada sendo cuidada por médicos – das que se davam na mente conturbada dessa mulher que ora delirava, ora rememorava fatos de sua vida

“Abolimos os três planos – realidade, alucinação e memória”, diz Vázquez. “Tudo se passa na mente de Alaíde.” Até o atropelamento e a cirurgia – retratada em criativa solução cênica – pode não ter acontecido, não se sabe. “Buscamos uma encenação contemporânea e hoje já se sabe que memória e realidade são construções.”

MAIS ÁGIL

Quem conhece bem a montagem feita por Ziembinski reproduzida em 1976, na qual Norma Bengell também interpretava Clessi, certamente vai identificar pontos de contato. “A voz em off nós também utilizamos, os microfones”, diz Vázquez.

“Mas se tem algo que muda é o ritmo. Embora o texto esteja na íntegra, a peça tem 1h20.” É quase a metade do tempo da primeira. “Queríamos que fosse ágil. Tivesse ritmo de videoclipe. E multimídia. Assim como Ziembinski lançou mão de muitos recursos, usamos os que estão disponíveis em nosso tempo.”

A própria presença de Norma Bengell – indubitavelmente carismática – é uma ponte entre as duas montagens. “Mas a Clessi de agora não tem nada a ver com a do Ziembinski”, diz Bengell. “Ela sorri, a outra era séria. Na minha entrada, eu brinco com a imagem da vedete que fui. Tem outra atmosfera. Eu sou outra, a Clessi é outra, tudo muda. Estou muito feliz.”

Vestido de Noiva – No Itaú Cultural – Av. Paulista, 149, Tel.: 2168-1776. Diariamente, 19h30. Grátis (convites disponíveis meia hora antes). Até dia 17.



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