Cultura & Lazer Titulo São Caetano
Teatro para todos
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
04/12/2011 | 07:01
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Divulgação


A vontade de ser artista às vezes vem em um estalar de dedos ou de um sonho de infância, mas só se realiza por meio de oportunidade. É o que acontece no programa de cidadania artística Viva Arte Viva, de São Caetano. Reunidos anualmente, 1.600 alunos de idades, gêneros e classes sociais diferentes têm a chance de aprender gratuitamente a pôr para fora sua veia artística e receber lições que levam para a vida em oficinas de teatro.

Nem todos chegaram ao projeto por vontade de atuar. Isabel Cristina Carmona, 41 anos, se interessou pela proposta de socialização. "Fui pensando em encarar situações que me desafiassem e me fizessem crescer como profissional e ser humano", diz ela. Timidez vencida, faz cinco anos que ela integra o projeto - o filho Gustavo, 13, também participa "pela diversão e pelo desejo de, quem sabe, virar ator um dia". Pensar em parar, jamais.

Luiz Carlos Engelmann, o 'Martins', 59, se inscreveu nas oficinas porque foi ‘sequestrado'. As duas filhas dele, que já faziam as aulas, acabaram levando pai e mãe junto. "Eu nunca me imaginei pisando em um palco. É algo mágico. É o oxigênio da minha família."

Para ele, o interesse em comum e a vivência artística, que se ampliou em sua casa, são os pontos fortes de integração de sua família. "A identificação e os assuntos aumentaram entre nós", conta a filha Luna Engelmann, 18.

Até gente que nem sabia o que era teatro, como é o caso de Ignez Mantovani, 76 anos, parou para ver e decidiu ficar. Ela entrou para o grupo há quatro anos e, até então, achava que não tinha mais o que aprender e nem gostava de sair de casa. "Não sinto mais o peso da idade. A atenção que recebo e as amizades que faço têm sido muito boas para mim", conta Ignez.

Os filhos, que no início ficaram receosos pela incursão da mãe aos palcos, passaram a aprovar depois que a mudança reavivou a mãe. Uma delas, Denise Aguillar, 38, até se inscreveu no projeto. Três filhos de Denise - Leonardo, Louise e Luma -, além da sobrinha Amanda, fazem teatro. É a ‘Família Viva', como todos chamam. "Tem jovem, adulto, casal, pessoa com mobilidade reduzida. É um projeto que agrega e integra tudo. Você interage com pessoas de outras profissiões e a sua criatividade aflora e fica disponível para ser utilizada em outras situações", diz Denise.

Para alguns, a experiência não faz apenas enxergar com melhores olhos os outros e o dia a dia, mas muda radicalmente toda a vida. Aluno desde 2007, José Ignácio Montañes Jovellar, 50, começou em um tempo em que as coisas estavam difíceis. "Estava desempregado e não tinha amigos. As pessoas passavam por mim e nem ‘oi', nem nada", conta ele, que trabalha vigiando os carros da igreja onde mora. Hoje ele escreve, lê, pinta e vê nas pessoas com quem convive no teatro os amigos que achou que não teria.

Formação sociocultural
O Viva Arte Viva começou em 2000 oferecendo 120 vagas para alunos são-caetanenses. A partir de 2005, possibilitou que os inscritos continuassem no curso e deu acesso a mais gente. "Percebemos que existia interesse das pessoas não necessariamente em se profissionalizar ou aperfeiçoar a porção técnica, mas em se comunicar melhor, encontrar pessoas com a mesma afinidade e fazer uso do espaço público", conta o coordenador Sérgio de Azevedo. "Descobrimos que o grande papel do projeto é menos da difusão cultural do que da cidadania artística", completa.

Em sala, nos jogos pedagógicos construídos em parceria entre os artistas orientadores e os alunos, a busca é pela prática coletiva e pelo comprometimento. "A ideia é que cada um amplie a capacidade de perceber a si mesmo, o outro e o espaço da cidade."

A inserção de pessoas mais velhas, para o coordenador, possibilitou que os pais, antes acompanhantes, pudessem descobrir novos horizontes. "O teatro se transforma em mediador do debate familiar."

Além de cidadãos, através do projeto de microgestão, o programa oferece aulas à guardas-civis municipais e a agentes de Saúde da cidade.

Até o dia 18, em vários pontos da cidade, ocorre a Mostra dos trabalhos feitos durante o ano[01.TXTNORMAL]. A programação está no site www.fascs.com.br.

Mais
O Projeto Viva Arte Viva funciona por convênio entre a Secretaria de Cultura de São Caetano com a Associação de Pais Alunos e Professores da Fundação das Artes. As atividades são gratuitas. As oficinas são anuais e as inscrições são feitas entre o fim de fevereiro e o início de março. Informações podem ser obtidas pelo tel.: 4238-3030 ou pelo site www.fascs.com.br.

Alegria de pisar no palco é recompensa
O murmurinho da plateia invade as cochias e alimenta a ansiedade. Ainda dá para acertar a peruca e anular a vergonha. É inevitável que a última respiração antes das cortinas abrirem seja profunda. O show vai começar. Hora de viver uma vida que não lhe pertence, nem que seja em único ato.

A energia que percorre os bastidores de uma peça de teatro é o combustível do artista. Só se compara às palmas que recebe. Feliz aquele que tem a chance de senti-la arrepiar os pelos e embrulhar o estômago, deixando sensação gostosa da primeira vez. Não importa quantas são as personagens, a emoção é sempre fresca.

Por essas e outras, não é difícil amar o teatro. O difícil é deixá-lo adormecido após provar o gosto de subir no palco. O Projeto Viva Arte Viva dá chance de resgatar a naturalidade infantil em interpretar princesas e heróis, não importando se os cabelos já estão brancos.

Cada aluno tem razão única para aceitar o desafio de fazer teatro. A diversidade de idades e histórias de vida deixa o projeto especial. Aula após aula, a timidez dá lugar ao talento. A emoção dos bastidores une todos em sintonia. Antes eram completos desconhecidos, agora são cúmplices. As aulas terminam, as cortinas se fecham, mas a ligação entre os companheiros de palco invade a realidade. A amizade deixa a experiência inesquecível.
(Marcela Munhoz é jornalista do D+ e Diarinho, e aluna do Viva Arte Viva)




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