Cultura & Lazer Titulo Entrevista
Rubens Valente investiga
‘o dono do Brasil’ em livro

Riquíssimo, Daniel Dantas age nos bastidores,
nas sombras e, não raro, por meio de prepostos

Evaldo Novelini
26/01/2014 | 09:43
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Divulgação


Em um trecho de Operação Banqueiro (Geração Editorial, 464 páginas, R$ 44,90) há reprodução de excerto de carta do investidor Naji Nahas que classifica Daniel Dantas, proprietário do Banco Opportunity, como o “dono do Brasil”. O jornalista Rubens Valente, autor do livro que acaba de chegar às livrarias, acredita que a classificação é exagerada, mas não nega a influência da personagem nos mais diversos setores da sociedade brasileira, da política à Justiça, passando pelos meios de comunicação. Riquíssimo, DD, como é conhecido, age nos bastidores, nas sombras e, não raro, por meio de prepostos. Com poderes incalculáveis, é capaz de mudar leis, bloquear ações policiais e estancar processos judiciais. Não por outro motivo o homem que foi preso pela primeira vez, em 8 de julho de 2008, acusado de afrontar “quase meio Código Penal”, segundo definição de famosa colunista política da época, é hoje praticamente um ficha limpa. Conhecer a história de Daniel Valente (sem nenhum parentesco com o autor, conforme ele faz questão de deixar claro) Dantas e sua atuação subterrânea, é entender por que o Brasil ainda está longe de ser um país justo para todos. Leia a entrevista de Rubens Valente ao Diário:

DIÁRIO – Daniel Dantas segue sendo o homem mais influente do País?

RUBENS VALENTE – Não creio que ele seja o mais influente, mas, sem dúvida, sua influência continua importante. Seu grupo econômico inclui agropecuária muito rica no Pará e parte do terminal de contêineres do Porto de Santos, além dos próprios depósitos mantidos no banco.

DIÁRIO – Como DD acumulou tanto poder?

VALENTE – Seu poder começa a se cristalizar na época da campanha que elegeu o presidente FHC em 1994. Nessa fase, Dantas se aproximou e colaborou com as discussões sobre economia no PFL, que era o principal aliado do governo FHC. Antes disso, era citado e consultado como economista, tanto por políticos quanto pela mídia. Mas com a eleição de FHC e seus contatos com o mundo político ele começou a colocar em prática um sistema de alianças com o capital norte-americano e fundos de pensão de empresas estatais que permitissem a compra de empresas estatais que passaram a ser vendidas com mais frequência no governo FHC. Fica evidente, após as entrevistas que fiz, a leitura de milhares de documentos e a audição de gravações feitas com ordens judiciais, que Dantas criou nessa época série de laços com figuras de proa do governo FHC. Sua influência veio dessa rede de relacionamentos e compromissos.

DIÁRIO – A primeira prisão de DD é retratada como ponto de inflexão da Polícia Federal, desde 2003 e até então disposta a ampliar a atuação além do combate ao narcotráfico. O que mudou na instituição após 8 de julho de 2008?

VALENTE – O desfecho vergonhoso da Operação Satiagraha teve diversos impactos no dia a dia da Polícia Federal. Talvez o principal foi sedimentar a sensação entre delegados, agentes e peritos de que determinadas figuras, políticos ou setores da vida nacional dificilmente seriam investigados dali para a frente, pois o Judiciário começou a dar decisões a favor dos investigados e réus poderosos. Isso foi um banho de água fria entre os policiais. Outra consequência ocorreu entre juízes de primeira instância, que passaram a hesitar e fazer cobranças e perguntas antes de concordar com o andamento de um inquérito policial e principalmente emitir ordens de interceptação de telefonemas ou de e-mails. Os juízes começaram a dizer, “hoje foi o juiz De Sanctis, amanhã pode ser eu”. Também veio a certeza de que o poder central da Polícia Federal jamais poderia ser desafiado de novo, pois poderia interferir e afastar delegados a qualquer momento, nos moldes do feito na Satiagraha. O resultado geral foi grande retrocesso, principalmente no combate à corrupção.

DIÁRIO – Daniel Dantas é conhecedor das filigranas jurídicas. Muitas vezes, e seu livro retrata isso, ele as utiliza para estancar ou distorcer investigações. Quais foram as dificuldades de colocá-lo na mira de sua pena?

VALENTE – A principal dificuldade foi o acesso a provas, documentos e interceptações telefônicas, isso demandou paciência e insistência para conhecer as pessoas que poderiam me ajudar a ter acesso a essas provas.

DIÁRIO – Ao leitor, parece que houve cuidado extremo na confecção do livro para não deixar flancos abertos à ação dos advogados de DD. Há provas consistentes de crimes, referenciadas em documentos oficiais. Como explicar que o banqueiro siga livre e seja praticamente ficha limpa ante o Poder Judiciário?

VALENTE – Meu livro procurou discutir as provas e exatamente avaliar essa pergunta: o Judiciário estava certo ou errado ao tratar o caso Satiagraha como tratou? Creio que há conjunto de provas, evidências, indícios e depoimentos que no mínimo exigem investigação mais detalhada e extensa sobre as atividades do grupo Opportunity. É estranho que o Judiciário descarte tudo isso como inútil ou irrelevante.

DIÁRIO – O senhor registra que os tentáculos de DD se espalham pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e pela imprensa. Segundo suas investigações, em qual dos ambientes ele trafega com mais segurança? Por quê?

VALENTE – Um dos advogados do banqueiro, Luiz Greenhalgh, disse em entrevista ao portal Terra que o banqueiro tinha contatos na política, na mídia, ou seja, sabia ‘se virar’. Ele opera em diversos ambientes e com diferentes atores, nem sempre ele mesmo, pessoalmente, mas por meio de ampla gama de assessores, advogados, jornalistas, consultores, lobistas.

DIÁRIO – Como o senhor reagiu à declaração do banco de DD, de que o livro “foi feito para proteger os que articularam ações – ancoradas em crime – contra o Opportunity”?

VALENTE – A afirmação é um insulto e uma inverdade. Não há uma prova sequer dessa acusação, e nem poderia ser diferente, pois inexiste no livro qualquer intenção oculta. Essa alegação vazia representa visão distorcida sobre o papel de jornalistas e editores que trabalham para trazer a público temas de interesse público. Como se todos sempre trabalhassem para um interesse privado inconfessável. Apenas trabalhamos com jornalismo, nada mais e nada menos. Se todo livro for acusado de manter uma agenda oculta, o ambiente democrático ficará sabotado, enfraquecido, cheio de desconfianças. Editores e jornalistas são atores legítimos de uma democracia sadia.

DIÁRIO – Na qualidade de jornalista premiado, como o senhor avalia o trabalho da imprensa hoje?

VALENTE – Os desafios são imensos. Ainda que em menor grau do que outros países, a imprensa no Brasil vive queda na circulação, ou seja, na receita, o que impacta a qualidade do conteúdo, pois jornalismo bom custa dinheiro em viagens, hotéis, gastos com cópias de documentos. Está faltando principalmente trabalho de campo, e isso só pode ser feito com determinados gastos. Hoje a imprensa quebra a cabeça para impedir alguma queda brutal que possa inviabilizar o negócio. Nesse sentido, o jornalismo investigativo se impõe como uma saída não mais apenas editorial, mas também financeira, pois atrai leitores e faz aumentar receita.

DIÁRIO – Os livros são herdeiros das grandes reportagens outrora publicadas na imprensa diária ou semanal?

VALENTE – Está sendo percebida uma onda de livros-reportagens no País, o que é bom. Ajuda a oxigenar o ambiente jornalístico e aponta novas formas de narrativa e apuração. Há muitos jornalistas buscando esse meio de expressão, o que mostra de certa forma crise da grande imprensa no tema ‘grandes reportagens’. Mas creio que ainda é cedo para decretarmos o fim delas nos jornais ou revistas. Vivemos tempo de transformações tão rápidas que corremos o risco de queimar a língua uma semana após emitir qualquer previsão futurística.




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