Cultura & Lazer Titulo
Uma história com vários finais
Bruna Queiroz
Especial para o Diário
25/09/2005 | 08:29
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É opinião geral entre pais e educadores: a maioria dos jovens não tem intimidade com os livros. Mas, a partir dessa constatação, surgem questionamentos, como, por exemplo, o de Ana Rachel Machado, professora do curso de pós-graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP. "Essa afirmação de que o jovem não gosta de ler, para mim, é incompleta. Talvez eles simplesmente não leiam o que é valorizado pela geração passada e tenham escolhido outros caminhos para a leitura", diz. "Se o jovem não gostasse de escrever ou de ler, o que explicaria a existência de tantos blogs na internet?".

A estudante de Publicidade e Propaganda da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), em São Bernardo, Marcela Jofre Carqueija, 17 anos, de São Paulo, engrossa a estatística dos jovens que não se arriscam a uma viagem literária. "Acho que ler é cansativo. Prefiro algo mais dinâmico, como tirar fotos", diz. A amiga e colega de curso de Marcela, Helen Cristina de Brito, de São Bernardo, compartilha a mesma opinião. "Só leio o que o currículo do meu curso impõe", diz.

Mesmo diante dessas confissões, a professora Ana Raquel contemporiza. "Antes de condenar o jovem por não gostar de ler, a sociedade deveria se perguntar se ela mesma cria condições materiais para que ele leia. Existem bibliotecas públicas onde eles podem circular livremente, tal como circulam pelos barezinhos?", questiona.

A culpa pelo desinteresse pelos livros atualmente recai sobre as novas tecnologias, como a internet. O escritor Marcelo Duarte, autor da série de livros Guia dos Curiosos, destaca o poder de persuasão dos instrumentos multimídia. "Fico me perguntando se no meu tempo existisse computador e tantas tecnologias atraentes, será que hoje eu leria tanto quanto eu leio? Acredito que a resposta seja não."

Já Armando Anton Gini, diretor-executivo da CBL (Câmara Brasileira do Livro), discorda. "É bobagem esse argumento de que a culpa é da tecnologia. É dar corda para aquela velha história de que a televisão iria ocupar o lugar do rádio e que a internet iria desbancar a televisão. Nada disso aconteceu", diz.

Bater de frente com esses poderosos concorrentes não é, no entanto, sua recomendação. "Não podemos simplesmente tentar combater esses novos instrumentos de lazer. O jovem é multimídia e precisa de muitas atividades que vão além de navegar na internet. O livro pode ser uma opção dentro desse contexto, desde que o jovem tenha sido ensinado a gostar de ler", completa Gini.

Berço – O bom leitor necessariamente teria de ser construído desde o berço? "A pessoa vai gostar de ler se, quando criança, o pai lia junto com ela", defende o escritor Duarte. Ele se baseia em experiências próprias para confirmar a premissa. "Como eu estava em um período cheio de tarefas, não tinha tempo para ler para meu filho mais velho. Já com minha outra filha eu tive mais disponibilidade para dar essa atenção e o resultado é que ela gosta de livros, e ele não quer nem saber deles", diz.

Gini, da CBL, se baseia em uma pesquisa alemã realizada na década passada para sustentar essa versão. "Dá para incutir o hábito de leitura em crianças até os 12 anos. Não só os pais, mas também os avós, tios, professores podem participar dessa formação", defende.

Mas há quem desafie a regra. A economista Marcela Carvalho, 22, moradora de São Bernardo, se sentiu atraída pelos livros pela primeira vez quando já cursava o Ensino Médio. "Passei a adorar literatura brasileira", conta. Ler se tornou uma forma de observar os hábitos da sociedade. "Acho interessante ver como os costumes de uma época influenciaram no estilo literário de cada autor". Da literatura, a economista passou a se interessar também por temas sociais e políticos. "Foi o fato de ter me aproximado de obras sobre geopolítica e desenvolvimento social que me levou a escolher minha carreira", diz.

Porquês – O estudante Carlos Guerra, 25, de Santo André, é outro que só "pegou gosto" pela leitura após os 20 anos. "Antes disso minha vida era a banda que tinha com meus amigos e escrever letras de músicas", lembra. Ler foi uma tentativa de encontrar respostas para questionamentos pessoais. "Queria entender as coisas que eu via por aí e que me afligiam. Por que as pessoas são como são? Por que o mundo é como é?", explica. Guerra – que nunca correspondeu ao estereótipo de primeiro aluno da classe e já havia repetido de ano na escola algumas vezes – recorreu primeiro aos clássicos da política, como Karl Marx e Mikhail Bakunin. Mais tarde, o estudante se aproximou também da literatura brasileira e se encantou por Machado de Assis.

Guerra perdeu as contas de quantos livros leu nos últimos cinco anos, mas diz que, em meses de maior inspiração, chega a devorar de cinco a seis obras. A estante de casa abriga uma média de cem livros. "Mas isso porque são sempre renovados", explica.

Tempo – Quando questionados pelo Diário sobre o motivo de reservar pouco espaço para a leitura, muitos jovens tinham a mesma resposta na ponta da língua: falta tempo. A estudante Ana Paula Espósito, 23, se declara uma apreciadora dos livros, mas reclama da agenda apertada demais para encaixá-los entre as tarefas do dia-a-dia: "Adoro ler, principalmente sobre filosofia. Mas, agora que estou defendendo tese, tenho me dedicado mais aos livros obrigatórios", conta.

"Eu gosto de ler livros sobre variados assuntos, mas leio pouco. Meu curso é em período integral e em época de provas fica impossível me dedicar à leitura", conta a estudante Mariana Cássia de Rocha, 20 anos. Nas férias, ela até que tentou compensar o atraso: "Li uns cinco ou seis livros. É algo que me dá mesmo muito prazer".




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