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Os riscos da liberdade na estrada
Cristiane Bomfim
Do Diário do Grande ABC
25/11/2007 | 07:09
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Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, cuja malha ferroviária, naval e aeroviária dão suporte ao transporte de cargas feito por caminhões - em estradas que são um tapete, sem buracos, policiadas e com pouco pedágio -, o Brasil buscou outro caminho.

Junto com Estados Unidos e México, somos o País com o maior número de montadoras de caminhões do mundo (Daimler, Scania, Ford, Volks, Volvo, Iveco) e mais de 70% da logística de transportes está baseada sob as rodas de um caminhão.

Mas como é ganhar a vida dentro da boléia? Cada frete é uma aventura, divertimento. Dá para ficar rico levando carga por esse continente chamado Brasil?

Para responder a essas perguntas, a repórter Cristiane Bomfim viveu a vida de 'caminhoneira' por duas semanas e trouxe um quadro que fica muito distante do sonho e da aventura.

"O caminhoneiro só escolhe essa profissão pela liberdade de viajar e de conhecer gente de todos os tipos e lugares. Porque o resto não compensa", afirma José Eraldo Andrade Camargo, 57 anos, dos quais 39 deles na estrada. Mas nem sempre essa liberdade compensa.

Dados da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) mostram que o Brasil tem 898.717 transportadores de carga. Desse total, 84% são autônomos. São caminhoneiros que trabalham por conta e risco, com seus próprios caminhões, não têm carteira assinada nem carga certa. Recebem por entrega feita: metade antecipado e o restante no fim do trajeto. O valor do frete segue a lei da oferta e procura e está defasado. "Não cobre todos os gastos e os riscos da viagem", conta José Eraldo.

Em outra pesquisa, feita pelo Instituto WCF Brasil (World Childhood Foundation), 41,3% dos caminhoneiros dizem que a opção pela profissão foi pessoal e 33,6% alegam que tiveram influência familiar. Apesar disso, as reclamações existem. Entre elas estão a saudade de casa, o medo de assalto e de acidente nas estradas em más condições e o curto prazo entre a carga e a descarga.

"Ser caminhoneiro não é mole não. É comum sermos humilhados e tratados como lixo nas paradas", reclama o motorista catarinense. Essa é a mesma percepção do caminhoneiro Celso Gallina, 47 anos. "As pessoas não respeitam essa profissão. Às vezes, quando me perguntam o que eu faço dá até vergonha de responder, porque o primeiro pensamento é que não valemos nada e que somos sujos."

Celso é gaúcho e dirige caminhões desde 1980. "Se fosse para começar hoje, eu não seria caminhoneiro." Ele conta que entrou na profissão por causa da paixão por caminhões e a falta de estudo - concluiu apenas a sétima série do ensino fundamental. "Tenho dez irmãos e meus pais não tinham condições de dar estudo a todos."

"Notamos na pesquisa que a auto-estima do caminhoneiro é muito baixa", diz a coordenadora de programas da WCF Brasil, Carolina Padilha. Segundo ela, 73,5% se consideram malvistos pela sociedade.

"Eles afirmam que são considerados sujos, mal-educados, imprudentes e até sem-vergonhas. Há queixas de que alguns restaurantes de postos têm áreas restritas para essa categoria, com atendimento ruim e pouca estrutura. Outros dizem que não são tratados como cliente comum por donos e funcionários de postos."

A pesquisa, feita com 239 caminhoneiros em seis Estados, faz parte do Programa Na Mão Certa e traça um perfil dos caminhoneiros - de escolaridade à religião. (Colaboraram Nario Barbosa e Adriano Ravelli)



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