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Comunista que virou diretor ganha ciclo em São Paulo
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
24/06/2002 | 18:58
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Oficialmente, a tirania e a censura derreteram-se com a ditadura militar no Brasil. Não há então mais chagas políticas para o diretor João Batista de Andrade cutucar, certo? Errado. O comunista que virou cineasta prepara ainda para este ano o longa-metragem Rua 6, s/ Nº, uma inquisição social sobre o progresso borrifador de Brasília, deslumbrante nos projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e um encastelado de ripas nos barracos da periferia. Imagens dessa nova obra são uma das principais atrações da mostra Diretores Brasileiros, que o Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, dedica a João Batista a partir desta terça. Às 18h30, a sala do CCBB exibirá cenas de Rua 6, s/ Nº e promoverá um debate com o cineasta.

Um inédito e um quase inédito. A mostra prevê também projeções de Wilsinho Galiléia, documentário que permaneceu no subsolo durante 24 anos. Rodado como um especial para o Globo Repórter, o filme cheirou a subversão para o regime em 1978, que o censurou por considerá-lo uma apologia à criminalidade infantil. Veio à tona na última edição do festival É Tudo Verdade e integra o ciclo do CCBB na próxima quinta-feira.

João Batista policiou artisticamente a repressão. Não foi cegamente ostensivo porque o minguado aparelho cultural não permitia; não foi alegórico para não correr riscos de fragmentação de sua ascese. Na trajetória de oposição aos cassetetes, passou pelo Grande ABC. Primeiro foi a Paranapiacaba, onde rodou Doramundo (1978), uma caleidoscópica tese do sistema policial baseado mais no “achismo” do que em evidências. Em 1979 voltou para documentar a semeadura sindical com o curta Greve!. Doramundo será exibido no próximo sábado e Greve!, no domingo.

João Batista de Andrade filmou a frustração solapada pela coerção – mas não viveu assim. Continuou a observar a lobotomia política até fazer O Homem que Virou Suco (1979). Exibido no sábado, o filme tem José Dumont (cabra competente) na pele de Deraldo, artista de rua que deixa o Nordeste para reivindicar um lugar na terra das oportunidades que São Paulo vendia. Confundido com um assassino, Deraldo é perseguido e acuado. Seria um Joseph K. à brasileira – falta para isso o dado absurdo, a causa inexistente. Todavia, frente às manobras esotéricas da ditadura militar para justificar óbitos e desaparecimentos, não falta mais nada.




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