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Rappa é do povo, mas álbum duplo é da elite
Patrícia Vilani
Do Diário do Grande ABC
04/09/2001 | 19:10
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O Rappa é a banda mais politizada do Brasil – se é que elas existem em quantidade – e também a que desfruta de maior evidência. E não por causa do crime cometido contra o baterista e líder Marcelo Yuka, que o deixou paraplégico, mas pelas letras conscientes e pelo trabalho social que o grupo promove em seus shows e discos. O som do quinteto carioca também é furioso, reproduzindo com fidelidade seu desagrado com a injustiça social.

Por essas e outras, O Rappa merece como ninguém um CD ao vivo. Infelizmente, não como Instinto Coletivo (WEA, R$ 38 em média), que chega ao mercado, em formato duplo, com 21 músicas (cinco delas inéditas). O que é desmerecido, no caso, é a qualidade técnica do som ao vivo e o preço elevado. O disco, assim, distancia-se de sua proposta e a contradição pode ser resumida da seguinte forma: o Rappa é uma banda do povo, mas Instinto é um disco para a elite comprar.

O repertório nem poderia ser diferente – tinha de passear pelos três discos da banda e relembrar sucessos. Boa pedida foi incluir as inéditas, gravadas em estúdio – Fica Doido Varrido, Ninguém Regula a América, Milagre, Instinto Coletivo e R.A.M.

Ninguém Regula a América, parceria com o Sepultura, é uma crítica ao presidente norte-americano George W. Bush – ele não assinou o tratado de Kioto (destinado a controlar a emissão de gases nocivos na atmosfera). Traz o potente Derick Green dividindo os vocais com Falcão, Igor Cavalera na bateria e Andreas na guitarra. O resultado não poderia ser outro, uma vez que reúne duas das mais competentes bandas brasileiras.

Mas não foi só o Sepultura que deu uma mão para Yuka, Falcão, Lobato, Lauro e Xandão. R.A.M. e Instinto Coletivo receberam mixagem do grupo inglês cool Asian Dub Foundation. O namoro nasceu durante o Abril Pro Rock, no começo do ano, em Recife (PE), e se concretizou no estúdio do produtor Tom Capone, no Rio. Virou casamento de drum’n’bass, rock e reggae que deu certo.

Milagre também é desconcertante. A letra de Yuka (Ao redor dos maiores prédios que eu já vi/No final de um dia cheio de engolir/Cada um tem seus milagres pra insistir) recebe impecável scratch do DJ Negralha e gera uma das boas surpresas de Instinto Coletivo.

Se a pequena parte gravada em estúdio é uma bênção de O Rappa para os fãs, as canções ao vivo, gravadas no Bar Opinião, em Porto Alegre (RS), são completamente desprovidas de retoques posteriores. Sem receber a maquiagem necessária, em faixas como Tumulto e A Feira, o vozeirão de Falcão nem aparece. As outras são: Se Não Avisar o Bicho Pega, Miséria S.A., Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro, Homem Amarelo, Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero), Cristo e Oxalá, Hey Joe, Nó de Fumaça, O Homem Bomba, Me Deixa, Vapor Barato, Lado B Lado A e Ilê Ayê.

A impressão deixada por Instinto Coletivo é de que O Rappa é muito melhor dentro do estúdio do que no palco – o que pode ser desmentido por qualquer pessoa que já viu um show deles. E, mesmo com todos os defeitos, seu disco ainda consegue estar acima da média.




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