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Patativa do Assaré: o adeus do poeta popular
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
09/07/2002 | 17:53
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O pássaro do sertão encerrou seu canto. Patativa do Assaré, como era conhecido o poeta cearense Antonio Gonçalves da Silva, foi enterrado nesta terça à tarde, na cidade de Assaré (CE). O escritor morreu segunda aos 93 anos, deixando o Brasil órfão de um dos mais respeitados e legítimos representantes da cultura popular. Foi cordelista, teve poemas musicados e até virou tema de estudo na universidade de Sorbonne, da França.

Patativa era o próprio matuto. Mas tinha uma sensibilidade descomunal. Nascido na pequena Assaré, a cerca de 600 km de Fortaleza, ainda era menino quando começou a acompanhar o pai na roça, onde ia cultivar feijão, milho e algodão.

A dureza daquela vida não lhe permitia o luxo de freqüentar regularmente uma escola. Só estudou durante quatro meses, quando recebeu as primeiras noções de Língua Portuguesa. Depois disso, aprendeu a ler e a escrever sozinho. Foi o suficiente para dar vazão ao talento que já se esboçava em seu cotidiano.

Os primeiros poemas, Patativa fez na roça. Como não tinha onde nem como escrevê-los, guardava-os detalhadamente na memória. E foi assim uma vida inteira. O poeta compunha suas criações com a mesma facilidade com que um repentista organiza seus versos. Mas com uma riqueza de rimas, de sentimentos, e de observações.

Seus temas eram basicamente a dureza da vida no sertão, o pensamento e a cultura do nordestino. Também usava as letras para manifestar sua descrença na política e seu desinteresse pela cultura de massa.

Era, sobretudo, bem-humorado. Até para falar de sua própria tragédia, vivida aos 4 anos de idade, quando perdeu a visão do olho direito em um acidente na roça: “Perdi meu olho direito/ Ficando mesmo imperfeito,/ Sem ver os belos clarões./ Mas logo me conformei/ Por saber que assim fiquei/ Parecido com Camões”.

Mesmo festejado durante toda a vida, com várias medalhas e títulos, era homem extremamente simples. Não trocava sua modesta Assaré por nada. Nem abria mão de velhos costumes, como fumar seu cigarrinho diário. “Eu não me sinto famoso. O povo é que acha que sou”, disse em uma entrevista.

Música – No entanto, muita gente de peso levou seu nome ao topo das paradas. Luiz Gonzaga foi o primeiro. Em 1964, gravou A Triste Partida, que logo se tornou uma espécie de hino dos retirantes. Contam até que o rei do Baião, já bem famoso, teria pedido ao poeta que desse a ele a autoria da letra, em troca de uma boa quantia em dinheiro. Era algo comum, embora indecente, entre poetas e compositores. Mas Patativa, felizmente, recusou a oferta.

Fagner foi outro que se rendeu aos encantos do Patativa – cujo apelido, aliás, foi dado em 1929, com o nome de uma ave típica nordestina. Além de gravar dois poemas do conterrâneo, Fagner produziu o primeiro disco de Patativa, Poemas e Canções (1979) e produziu e dirigiu o segundo, A Terra é Naturá (1989).

É de Patativa, também, a letra de Chega de Mágoa, cantada em 1985 por um grupo de artistas – entre eles Gilberto Gil, Tom Jobim, Nana Caymmi e Luiz Gonzaga – dentro do projeto Nordeste Já. Sua vida também foi condensada em páginas de vários livros, entre eles a biografia O Poeta do Povo, de Assis Ângelo.

Nos últimos anos, as criações de Patativa se concentraram nas mãos da neta Isabel Cristina Gonçalves, administradora do Memorial Patativa do Assaré. Todo dia, recebia a neta em casa para ditar-lhe as novas criações. Foi assim com o poema Ceará, Eu Trago Comigo essa Força, feito em fevereiro deste ano e publicado pelo Diário com exclusividade, em 5 de março. Foi assim até suas forças permitirem. Em uma entrevista, Patativa disse: “Faço poemas por prazer pessoal e não para ganhar dinheiro. Bens materiais, como dinheiro e carros, os outros levam. Mas a amizade, a fraternidade e a poesia perduram. A gente morre e deixa saudades”. E como, Patativa!




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