Por registro em cartório é possível especificar intervenções médicas aceitas ou rejeitadas em situações de incapacidade; região teve 39 pedidos desde 2013
A morte assistida do poeta Antonio Cicero, ocorrida em 23 de outubro, na Suíça, trouxe novamente à discussão o direito de decidir sobre o fim da própria vida e o papel das DAVs (Diretivas Antecipadas de Vontade) no Brasil. Conhecidas como Testamento Vital, as DAVs permitem que cidadãos manifestem, de forma documentada, suas preferências em relação a tratamentos médicos em casos em que não possam expressar sua vontade, como em doenças graves ou condições irreversíveis.
Embora a eutanásia seja proibida no Brasil, as DAVs têm ganhado espaço como uma ferramenta importante para assegurar que escolhas individuais sejam respeitadas em momentos críticos. Dados apontam que o Brasil já possui mais de 8.100 registros de Testamentos Vitais realizados em cartórios. No Grande ABC, 39 desses documentos foram formalizados desde 2013, com registros concentrados em quatro das sete cidades: Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo e São Caetano. Em 2024, foram oito novos registros na região, o maior número anual já computado.
Por meio da DAV, a pessoa pode especificar com antecedência quais tratamentos ou intervenções médicas aceita ou rejeita em situações de incapacidade de comunicação, como doenças graves ou terminais. A declaração de vontade deve ser voltada exclusivamente a questões relativas à recusa ou aceitação de tratamentos médicos, como, por exemplo, entubação, reanimação, nutrição artificial e prolongamento da vida. Também pode dispor sobre a doação de órgãos e outras decisões relacionadas à vida, incluindo cuidados paliativos ou não.
Esse recurso é amparado pela Resolução 1995/2012 do CFM (Conselho Federal de Medicina) e ajuda a evitar conflitos familiares em decisões difíceis, garantindo que a vontade do paciente prevaleça. Apesar de ainda não haver legislação federal específica para regulamentar as DAVs, o reconhecimento por parte da classe médica tem ampliado sua adoção, conforme aponta o CNB/SP (Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo). O documento também permite a designação de um representante legal, responsável por tomar decisões em seu nome.
O documento pode ser registrado em qualquer cartório de notas e está disponível para qualquer cidadão interessado em planejar como deseja ser tratado em situações extremas. Desde 2020, é possível fazer o registro também de forma digital, por meio da plataforma e-Notariado. Nesse caso, é necessário um Certificado Digital Notarial, que pode ser obtido gratuitamente em cartórios, ou um certificado ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira). Após o processo de validação por videoconferência, o documento pode ser assinado eletronicamente, com o mesmo custo de um registro presencial – o valor de registro de um DAV é de cerca de R$ 500.
“A diretiva é regida pelo Código de Ética Médica e outras normas éticas, sendo necessário que seja elaborada quando o declarante esteja capaz de manifestar sua vontade, ou seja, quando ele estiver lúcido e com discernimento. Além disso, o declarante deve ser maior de 18 anos e estar em pleno gozo de suas faculdades mentais. A diretiva deve ser redigida de forma clara e objetiva pela autoridade notarial, de modo a evitar qualquer dúvida quanto à sua interpretação”, explica Milton Fernando Lamanauskas, tabelião do 5° Cartório de Notas de Santo André. “Não se trata de questões patrimoniais. Este instrumento é destinado a tratar de questões da saúde.”
PROCURA
Segundo o presidente do CNB/SP, André Medeiros Toledo, a alta na procura é impulsionada pelo desejo da população de manter controle sobre decisões críticas de saúde, refletindo uma mudança cultural significativa em relação à autonomia sobre o próprio corpo e à dignidade no tratamento médico. “A Diretiva Antecipada de Vontade é uma forma importante de planejamento pessoal. Ela ajuda a evitar dúvidas e conflitos entre familiares e, principalmente, garante que a pessoa possa decidir sobre o que quer para seu corpo e tratamento, mesmo quando já não pode expressar sua vontade.”, explica o tabelião.
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