Quatro casos, sendo dois óbitos de bebês, foram relatados no Hospital da Mulher; após série de acusações neste ano, unidade confirmou erros médicos
Após série de denúncias no primeiro semestre deste ano, novos casos de negligência e violência obstétrica no Hospital da Mulher de São Bernardo são relatados. Familiares denunciam mais quatro episódios, sendo dois óbitos, e duas lesões, uma em recém-nascido e outra em gestante. Em todas as ocorrências, as denunciantes alegam mau atendimento da equipe médica, demora para realização dos partos e imposição ao parto normal.
O caso mais recente ocorreu na última segunda-feira (4), com uma gestante de 15 anos. Segundo informações da tia da adolescente, Tiane Alves Sousa, 25 anos, a menina deu entrada no Hospital da Mulher com 39 semanas, após realizar exames de cardiotocografia e ultrassonografia no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a médica responsável solicitar atendimento de emergência devido à diminuição da movimentação do bebê durante os exames.
Ao chegar à unidade, a paciente estava com pressão alta (14/5) e, após repetir avaliação médica, foi constatado mecônio (primeiras fezes do recém-nascido) no útero. A bolsa da gestante estourou por volta das 14h30, e a equipe médica teria informado à família que o parto por cesariana deveria ocorrer em no máximo uma hora. Porém, ao subir para a maternidade, outros profissionais colocaram a adolescente no soro, com duração de 13 horas e teriam tentado induzir o parto normal.
Revoltados com a demora, familiares acionaram a polícia e a direção do hospital. Após quatro horas, por volta das 18h, foi realizada a cesária e o bebê foi levado diretamente para UTI, onde ficou por seis horas. Tiane conta que a equipe médica não informou a família o estado de saúde do recém-nascido e, por volta das 23h, foi anunciado o óbito do bebê – sem causa da morte.
Inicialmente, o parto por cesariana estava agendado para ocorrer na unidade na quarta-feira (6). “Em nenhum momento a equipe médica explicou o motivo da morte e nem deu um resumo hospitalar do que ocorreu com o Noah durante as seis horas na UTI. A negligência médica ocorreu no momento em que a cesária foi liberada, quatro horas depois da internação dela e no momento em que eles sabiam que o Noah fez cocô na barriga e forçaram um parto normal”, explicou a tia da paciente.
O recém-nascido foi enterrado na manhã de ontem no Cemitério Paulicéia. No atestado de óbito também não foi identificada a causa da morte. Após publicação do caso nas redes sociais, o hospital agendou para hoje reunião com os familiares da adolescente. A família registrou Boletim de Ocorrência no 1° DP (Distrito Policial) de São Bernardo.
OUTRA OCORRÊNCIA
Em junho deste ano, a cuidadora de idosos Ana Paula Santos de Souza, 28, perdeu seu primeiro filho após realizar parto no hospital. A paciente deu entrada na unidade no dia 12, com 33 semanas e com cinco centímetros de dilatação, após sentir dores e ter sangramento em casa. Diagnosticada com diabetes e pressão alta, ela disse que o parto deveria ser por cesariana devido aos riscos à sua saúde e a do bebê.
“Tentaram induzir o parto normal, estava com muita dor e com dez centímetros de dilatação. Após várias tentativas, perceberam que não ia dar porque o bebê era grande e decidiram fazer a cesária com fórceps. Meu filho nasceu às 7h05 e só fui ver ele às 23h, já sem vida”, relatou Ana Paula.
A equipe médica informou à paciente que a causa do óbito teria sido parada cardíaca. Porém, no atestado de óbito do Instituto Médico Legal havia a descrição de morte por traumatismo cranioencefálico. Durante reconhecimento do corpo, Ana Paula identificou que a cabeça do recém-nascido estava machucada, a clavícula quebrada e os olhos e os braços tinham hematomas.
“Perguntei à médica porque não fez cesária e ela respondeu que era porque eu tinha dilatação suficiente para o parto normal. Para forçar para o bebê sair, o anestesista ficou empurrando a minha barriga com o cotovelo. Meu neném nasceu sem chorar e falaram para aplicar adrenalina nele. Foi quando o levaram para incubadora. A pior dor é sair do hospital sem o filho nos braços e saber que foi erro médico”, lamentou. Ana Paula também registrou BO no 1° DP.
Revolta: fêmur fraturado e útero dilacerado
Além dos óbitos, outras gestantes relataram lesões ocasionados durante parto no Hospital da Mulher. A auxiliar de saúde bucal Stella Santos de Carvalho, 28 anos, viu o nascimento do seu filho, Pyetro Santos de Carvalho Lira, se tornar pesadelo e acusou a unidade de violência obstétrica por causa do tratamento recebido enquanto estava internada e pelo estado de saúde do seu bebê após o nascimento.
Stella foi diagnosticada no exame pré-natal com streptococcus (bactéria que pode causar problemas durante a gravidez e no parto), e que, segundo ela, contraindica o parto normal. No dia 1° de outubro, ela deu entrada na unidade com 40 semanas, pressão alta (18/13) e sinais de perda de líquido.
Após a internação, a equipe médica fez indução ao parto normal entre 11h30 e 5h50. De acordo com a mãe, ela estava apenas com dois centímetros de dilatação e, às 6h, começou a apresentar sangramento intenso e dores agudas. Depois da ruptura da bolsa, foi submetida à cesária de emergência e a criança nasceu às 11h03.
Durante a cesária, a equipe médica teria fraturado o fêmur esquerdo do recém-nascido, que foi levado para UTI e depois transferido ao Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, para tratamento com ortopedista. Ele ficou internado por 14 dias. “O Pyetro foi transferido no dia 2 e só tive alta para vê-lo no dia 4.
No caso da manicure Thayna dos Santos Souza, 25, a violência obstétrica na unidade deixou duas lesões em seu corpo. Com 40 semanas, ela começou a ter fortes dores e foi internada no dia 24 de outubro, com três centímetros de dilatação.
A equipe médica teria insistido para a paciente terminar os exames solicitados e indicado a realização de parto normal – apesar dela solicitar a cesária. Após três horas de internação, foi detectado que Thayna estava com nove centímetros de dilatação, quando o médico começou aplicar a anestesia. “Ele tentava aplicar, mas eu não conseguia ficar parada de tanta dor, então ele ficava empurrando a minha cabeça e sendo extremamente grosseiro. Meu bebê nasceu, sem chorar, e foi colocado em uma incubadora. Tive laceração de segundo grau, infecção e dilaceração no útero. Já tive dois filhos, sei como funciona. Quase perdi o Bernardo. Tudo isso porque eles não me escutaram”.
A mãe acredita que contraiu a infecção por causa da demora no atendimento no pós-parto e que as lesões no parto ocorreram devido à resistência da equipe médica de fazer a cesária e induzir o parto normal.
Hospital demitiu funcionário e admitiu falha após casos no 1º semestre
Neste ano, o Diário mostrou com exclusividade série de acusações de negligência e violência obstétrica no Hospital da Mulher de São Bernardo. No total, foram denunciados nove casos, com seis mortes envolvidas, sendo de quatro bebês e de duas gestantes.
Após a divulgação das ocorrências, em abril, o secretário de Saúde do município, Geraldo Reple Sobrinho, instaurou comitê técnico para apurar as denúncias de erros médicos na unidade. De acordo com os esclarecimentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação em agosto, após um mês de apuração, de 19 de abril a 20 de maio, a sindicância concluiu os trabalhos e teria identificado falhas relacionadas ao exercício profissional.
A resposta da Secretaria de Saúde do município também afirmou que “foram identificadas fragilidades em alguns protocolos assistenciais na unidade” e que “foram feitas propostas de melhoria para fortalecimento das barreiras de segurança já existentes e sugerida a adoção de outras”.
Ainda de acordo com o documento obtido, o diretor técnico do Hospital da Mulher, Rodolfo Strufaldi, que foi afastado das funções durante os trabalhos do comitê, optou por se desligar da instituição, “apesar de não ter responsabilidade direta sobre os eventos ocorridos”.
Em resposta a um novo pedido via Lei de Acesso à Informação, realizado em agosto e respondido em outubro, a Prefeitura de São Bernardo informou que apenas um enfermeiro foi demitido em decorrência das denúncias. Porém, na primeira justificativa, enviada em agosto, o Paço teria confirmado o desligamento de mais de um funcionário.
Prefeitura lamenta episódios e diz que segue protocolos médicos rígidos
A Prefeitura de São Bernardo, por meio de nota divulgada pela Secretaria da Saúde, lamentou “profundamente” os casos registrados no Hospital da Mulher e se solidarizou com as famílias afetadas.
“O compromisso do Hospital da Mulher, como instituição dedicada ao atendimento materno-infantil, é sempre oferecer o suporte e a assistência necessários, com respeito e acolhimento a todos os envolvidos”, disse a administração.
A Secretaria assegurou, sobre os episódios, que “cada situação foi avaliada e conduzida com base nos protocolos e melhores práticas médicas atuais”.
Sobre a denúncia de violência obstétrica, o governo admitiu que, em certos casos, “o posicionamento intrauterino do feto pode demandar manobras de extração, que, embora raras, têm potencial de risco e podem causar fraturas, uma complicação inerente ao procedimento”.
O Hospital da Mulher disse ainda estar comprometido “em aprimorar continuamente nossos serviços, reforçando barreiras de segurança e investindo em práticas baseadas em evidências para atender, da melhor maneira possível, as famílias que confiam em nosso trabalho”, colocando-se à disposição das famílias.
Por fim, a Secretaria da Saúde se desculpou por não divulgar informações detalhadas sobre os casos, em respeito às leis de sigilo médico e à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). “Seguimos rigorosamente todas as diretrizes de privacidade e confidencialidade para preservar a dignidade e o direito à privacidade de nossos pacientes”.
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