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Santo André regulariza 1º imóvel público do Brasil por adjudicação extrajudicial

Apartamento pertencia originalmente ao INSS; atual dono tinha contrato de gaveta desde 1984

Nilton Valentim
04/08/2024 | 08:30
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André Henriques/DGABC


Quando adquiriu o apartamento 14 do prédio localizado na Rua Almeida Garret, 54, na Vila Guiomar, em Santo André, Valdemar Ramos tinha conhecimento de que o mesmo não possuía escritura. O que ele não sabia é que, passados quase 40 anos, o endereço seria o primeiro imóvel público a ter a documentação regularizada por meio de adjudicação compulsória extrajudicial. Agora, pertence legalmente a Ramos e a sua mulher, Nidia Maldi Ramos.

Durante todo esse tempo Ramos manteve em seu poder um ‘contrato de gaveta’, firmado com a pessoa com quem fez o negócio – e que já é falecida. Os papéis oficiais, por sua vez, apontavam o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como proprietário do apartamento.

O processo de transferência de titularidade (do INSS para Ramos) transcorreu em pouco menos de dois meses, com a matrícula sendo registrada em 25 de julho. 

O desfecho foi bem diferente das duas vezes anteriores em que Ramos tentou a regularização e esbarrou na burocracia. Na primeira, em 1996, foi por conta própria ao INSS. Na segunda, entre 2003 e 2004, tentou por meio de um documentista, e também não obteve êxito.

Desta vez, dois fatores contaram a seu favor. O primeiro foi o fato de que desde setembro do ano passado os cartórios estarem autorizados a realizar a chamada adjudicação compulsória extrajudicial, procedimento que permite a transferência de um imóvel para o nome do comprador, caso o vendedor não cumpra com suas obrigações contratuais, sem a necessidade de acionar a Justiça.

O segundo, dois decretos assinados em fevereiro deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um que visa a destinação de imóveis da União sem uso para moradia popular, e outro que criou o grupo de trabalho interministerial dos imóveis não operacionais do INSS, que tem como objetivo principal aprimorar a gestão desse patrimônio.

“Eu tinha desistido (de regularizar o imóvel) por conta da burocracia e da má vontade dos funcionários do INSS em resolver o caso. Hoje, fico contente com a renovação dos cargos públicos. Isso facilita muito”, afirmou Ramos, já em posso da documentação atualizada do imóvel.

Os trâmites foram realizados pelo 1º Cartório de Notas de Santo André, que é comandado pelo tabelião Thomas Nosch Gonçalves. “O casal, representado por um corretor e um advogado, nos procurou. Inicialmente o registrador (1º Cartório de Registro de Imóveis de Santo André) negou o registro. Mas aí o INSS destravou o processo, forneceu os documentos e autorizou a transferência”, explicou o tabelião.

Com isso, foi formalizada a primeira transferência de um imóvel público por meio da adjudicação compulsória extrajudicial do País. 

O proprietário, agora oficial, tem conhecimento de que outros moradores do entorno do seu imóvel enfrentam o mesmo problema de documentação, mas nunca pensou que teria protagonismo no assunto. “Eu não imaginava que este seria o primeiro caso do bairro, e muito menos que seria o primeiro do Brasil”, festeja.

“Eu me sinto privilegiado por cumprir a minha função social e por realizar a solução deste deste problema, que já está sendo replicada no País. Agradeço a Deus, aos procuradores do INSS e também a Poder Judiciário pelo sucesso da transação”, afirma Nosch. 

Conjunto habitacional foi formado há 82 anos 

O apartamento de Valdemar Ramos faz parte do conjunto habitacional IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriais), que foi criado em 1942, na Vila Guiomar, e fica há cerca de um quilômetro do Centro de Santo André.

A primeira fase do conjunto começou em 1942, com a construção de 200 casas geminadas nas ruas dos Capuchinhos, Gonzaga Franco, Paula Souza, Garcia Rodrigues e Rodolfo Santiago. Na segunda etapa, iniciada em 1946, foram erguidos os prédios na Rua das Monções, que possuem 312 apartamentos – chamados, mais tarde, de ‘prédios velhos’. 

Na terceira fase, que começou em 1950, foram erguidas 234 casas geminadas conhecidas na época como ‘caixas de fósforos’, por causa do tamanho, e na última etapa, também iniciada em 1950, foram feitos os chamados ‘prédios novos’, num total de 34 edifícios com 978 apartamentos.

O Conjunto IAPI também foi palco da primeira grande invasão do Grande ABC. Depois de mais de dez anos em construção, os futuros moradores se viram diante de apartamentos prontos, mas sem condições de uso por falta de ligação de água e esgoto por parte da Prefeitura. Após uma consulta com diretores do IAPI no Rio de Janeiro, os moradores resolveram invadir os prédios para forçar a administração municipal a ligar as redes de água e esgoto. O que ocorreu em 1967. Ao som de marchinhas tocadas na época, as famílias ocuparam casas e apartamentos. 




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