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Material estranho é esquecido por um ano em corpo de criança

Item teria sido deixado após jovem passar por cirurgia de vesícula no Hospital Estadual de Diadema; menina de 12 anos sofre com dores crônicas

Thainá Lana
30/07/2024 | 21:08
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FOTO: Celso Luiz/DGABC

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Um ano e quatro dias. Esse foi o tempo que um material estranho não identificado ficou alojado embaixo do fígado da jovem de Santo André Melissa dos Santos Silva Claudino, 12 anos. O item teria sido deixado em seu organismo após a menina passar por uma cirurgia de retirada de vesícula no Hospital Estadual de Diadema, em junho do ano passado. O objeto foi removido 369 dias depois, no CHM (Centro Hospitalar de Santo André).

A denúncia é feita pela mãe da criança, a diarista Luana dos Santos Silva, 34, que conta que a filha sofre com dores crônicas abdominais, infecções constantes e outros sintomas desde o procedimento cirúrgico inicial. Em setembro de 2023, a família residente em Santo André foi até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Vila Luzita por conta de sintomas gripais de Melissa. No equipamento de saúde foi realizado um exame de radiografia, e o técnico da unidade teria sido a primeira pessoa a identificar um corpo estranho no organismo da paciente. A mãe, então, retornou ao Hospital Estadual de Diadema com o resultado e questionou a enfermeira-chefe que a atendeu na triagem.

“Após avaliar o raio-x, a enfermeira perguntou se eu tinha feito radiologia ou se tinha estudado enfermagem, porque ela garantia que não tinha nenhum corpo estranho. Ela ainda disse que os sintomas da minha filha poderiam ser por conta do pós-cirúrgico, que eu não deveria estar cuidando bem dela. Não fez nenhum exame, não passamos com nenhum médico, o atendimento foi apenas na triagem, e só”, diz a mãe.

No começo deste ano, Melissa passou a ter dores abdominais mais frequentes e intensas, além de diversas complicações que começaram a aparecer. Entre os meses de janeiro e fevereiro, a jovem ficou internada duas vezes, por cerca de 30 dias no total, no CHM, por conta de infecção na urina, que teria avançado para o rim.

Além das fortes e constantes dores no abdômen, pressão alta, mal-estar e vômitos, desde abril a paciente foi diagnosticada com constipação (dificuldade para evacuar) – a menina realiza lavagem semanal. Por conta dos sintomas, Melissa passou por diversos especialistas médicos e realizou alguns exames, porém a causa do desconforto não foi encontrada pela equipe de saúde da rede municipal de Santo André.

“Chegaram a dizer que a dor dela poderia ser falsa e encaminharam ela para passar com psicólogos na Fundação Santo André, onde ela aguarda na fila de espera. Foi somente em junho que finalmente a cirurgia foi realizada, após um médico da UPA Central fazer um raio-x para poder realizar a lavagem. Ele identificou um material suspeito no seu organismo e encaminhou a Melissa para um cirurgião do CHM”, contou Luana.

Após análise da equipe, a criança passou por cirurgia de retirada do corpo estranho presente no organismo no dia 18 de junho. No exame anatomopatológico (análise de tecido retirado do indivíduo para diagnóstico) consta que foi retirado um “fragmento irregular que mede 2,7 x 1,6 x 0,8 cm, constituído por tecido acastanhado e elástico, tendo de permeio material de finas tramas brancas”, descreve o documento médico.

A mãe acredita que possa ser uma gaze ou uma compressa. Porém nenhum médico confirmou qual material foi encontrado no organismo da menina. Além disso, ela destaca que a criança não realizou nenhuma outra intervenção cirúrgica além da retirada da vesícula, em junho de 2023.

"O médico-cirurgião disse que foi um milagre a minha filha não ter morrido com o material tanto tempo alojado no corpo dela. Não foi sorte, foi Deus. Porém a batalha ainda não acabou, continuamos na luta pela qualidade de vida dela”, destaca a mãe.

CONSEQUÊNCIAS

Mesmo após a retirada do item, Melissa continua sofrendo, quase que diariamente, com fortes dores abdominais, mal-estar e constipação. Ela segue sendo atendida pela rede municipal de saúde de Santo André e aguarda a realização de três exames que podem ajudar a diagnosticar a paciente, sendo uma cintilografia para estudo do esofágico e uma ressonância magnética de abdome superior, ambos agendados para agosto. O outro exame, de manometria anorretal, sob regulação estadual, ainda não foi agendado e não há previsão para que seja feito.

A mãe ressalta que, neste ano, Melissa foi à escola apenas uma única vez e que passa a maior parte do tempo em casa, deitada para aliviar a dor, ou em consultas médicas. “Ninguém consegue descobrir o que ela tem, precisamos fazer esses exames com urgência, não aguento mais ver minha filha sofrer”, pontua.

Luana procurou o 1° Distrito Policial de Santo André para denunciar o caso. Segundo afirma, o delegado que a atendeu teria a orientado a registrar uma denúncia no CFM (Conselho Federal de Medicina) e no Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo) e depois retornar com um advogado para formalizar boletim de ocorrência.

No momento, a família, que está sendo orientada por um advogado, aguarda o envio do prontuário médico do Hospital Municipal de Diadema, entre outros documentos, para registrar formalmente as queixas nos conselhos. 

Estado diverge de versão da família

Questionado sobre o caso, o Hospital Estadual de Diadema, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, diverge da versão apresentada pela família e não confirma a presença de material estranho no organismo da paciente. Segundo a unidade hospitalar, o exame de radiografia levado pela mãe, em setembro do ano passado, onde ela questionou a presença de um corpo estranho, teria sido avaliado por uma equipe médica, e não por uma enfermeira-chefe, como relatou Luana, “sem identificação de qualquer corpo estranho no organismo”.

O hospital afirma que foi “reagendado um novo retorno com a cirurgia pediátrica para o acompanhamento”. 

“Em 18 de outubro, nesta consulta de retorno, a paciente foi avaliada novamente pela equipe de cirurgia pediátrica, que não identificou dores ou distensões no abdômen e concedeu a alta hospitalar”, diz a nota divulgada pela Secretaria de Saúde.

Além disso, o órgão afirma que não há registro de nenhum pedido de cópia do prontuário médico. Entretanto o Diário teve acesso ao documento de solicitação de cópia de prontuário realizado pela família no dia 15 de julho, com prazo de retirada em 30 dias.

A Prefeitura de Santo André, por sua vez, confirmou que Melissa está sendo acompanhada pela rede municipal de saúde, após ter sido “submetida a um procedimento cirúrgico em um hospital estadual em 2023 com complicações subsequentes”. Além disso, o Paço destacou que a criança possui 27 registros de atendimentos na rede e reiterou que ela está “bem assistida pelas unidades e profissionais de saúde”. 




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