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O fio da navalha
Rodolfo de Souza
18/07/2024 | 09:58
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Seri

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A corrida que se desenrola a cada eleição, seja para prefeito, governador ou presidente, se traduz num desenrolar de tramas para se ganhar a dianteira e, por fim, conquistar o degrau mais alto do pódio. Mesmo que, para tanto, seja preciso comer cru e sem tempero o fígado do oponente, costume, diga-se de passagem, bastante comum nos meios políticos. Alianças, coligações e todo tipo de trato são sacramentados, então, em nome de uma amizade à prova de qualquer intento traiçoeiro que, por ventura, venha a bulir com a mente sórdida dos aliados. Gesto de apoio mútuo com mãos unidas, voltadas para o alto, faz parte do espetáculo que é capaz de comover até um mastodonte.

Cabe também destacar o jogo de cintura e muito estômago, condições necessárias para se tocar a empreitada, negociando com o inimigo quando, uma vez vencedor, não se tem a maioria da câmara para apoiar projetos que nem sempre atendem aos anseios dos roedores de plantão.

E o elenco que compõe esse espetáculo circense serve-se de gente que, de forma alguma, daria as costas para o companheiro de campanha, com medo do fio da navalha que este carrega. 

Ainda agora, assistia a uma série, sim, porque escritores também veem séries, e ela trata de política em país distante. País europeu de belos jardins e garbosos palácios, mas com as entranhas do poder tão corroídas como esta que vemos aqui em solo Tupinambá. Ressalto que aprecio sobremaneira o nome Tupinambá. Tupiniquim, como costumam chamar este rincão, soa meio pejorativo, um tanto pobre.

Voltando para as vias de fato, muitas são as artimanhas utilizadas quando se tem o olhar voltado para a conquista do poder. É um vale tudo em cujo ringue se travam batalhas que fazem o espectador, sujeito de fora do meio, perder a esperança na raça humana e acreditar que esta, em futuro não muito distante, dará cabo de si mesma.

A televisão, desde que surgiu, tem sido utilizada para a ascensão deste ou daquele. É notória a sua participação, enaltecendo um candidato, ao mesmo tempo que joga para as cordas o outro por quem não tem lá muito apreço, ou melhor, aquele que não atende aos interesses de uma minoria que comparece com o seu robusto capital para arrematar os meios de comunicação, verdadeiros donos da opinião pública. As televisões, embora concessões federais, estão, de fato, nas mãos do mercado financeiro para que seja decisiva na vitória do candidato A ou B.

Em tempos de redes sociais, a briga se torna ainda mais acirrada. Mentiras são contadas a todo instante para difamar o oponente e tirar-lhe alguns votos. Mas tudo pode ser desmentido depois – dirá o atento leitor. Até isso acontecer, no entanto, muito prejuízo já causou. Mentiras que, aliás, ganharam recentemente o suntuoso nome de fake news e também deram origem a atos fake, atendados fake... e por aí vai até que a verdade despareça por completo, restando somente a mentira, o faz de conta. Pessoas adoram brincar de faz de conta, afinal. São criaturas distraídas, para quem elaborar uma análise crítica da postura, do discurso e do projeto dos candidatos é tarefa das mais difíceis, passíveis mesmo de esquecimento.

Portanto, semear hipocrisia em terreno tão fértil não é tarefa das mais árduas, dada a letargia dessa gente que deu trabalho na escola e que passou longe dos livros. 

Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. 

É professor e autor do blog cafeecronicas.com




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