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Kisser: ‘Estamos vendo como o Sepultura é importante na vida de cada um’
Jaque Corrêa
Especial para o Diário
30/06/2024 | 18:09
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FOTO: Claudinei Plaza/DGABC

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Guitarrista de uma das maiores bandas de rock do mundo há 37 anos, Andreas Kisser fala com tranquilidade sobre a turnê de despedida do Sepultura, que em quatro décadas de história já tocou em mais de 80 países. Classifica o momento como o “encerramento de um ciclo” e, ao mesmo tempo, projeta novas possibilidades, todas elas ligadas à música. 

Nascido em São Bernardo, mas criado no bairro Campestre, em Santo André, o músico detalha as suas origens, fala da evolução do Sepultura, da importância dos fãs e revela o desejo de um dia poder tocar na sua cidade natal, coisa que seus colegas de banda já conseguiram. 

Nome: Andreas Rudolf Kisser

Idade: 55 anos

Local de nascimento: Hospital São Bernardo

Hobby: Meditação

Local predileto: Onde estiver com sua família

Filme que recomenda: A voz Suprema do Blues, de George C. Wolfe

Personalidade que marcou sua vida: As mulheres da minha vida

Profissão: Guitarrista

Onde trabalha: Sepultura

Como a sua relação com a música começou? Como era a sua vida antes de entrar para o Sepultura?

Eu sou da região, nasci no Hospital São Bernardo, em 1968, e cresci no Rudge Ramos na década de 1970. Eu gostava de jogar bola na rua, meu sonho era ser jogador de futebol. Eu tinha o disco dos hinos dos clubes do futebol brasileiro, aí já começou uma conexão com a música. Mas, além disso, em casa meu pai e minha mãe escutavam muita música. A minha mãe tocava um pouco de sanfona, meu pai escutava muito Tonico e Tinoco, Sérgio Reis, muito sertanejo raíz assim. Minha mãe tinha discos como o Help, dos Beatles, tinha Bee Gees, mas também tinha a Clara Nunes, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Roberto Carlos... Tinha até uns discos de novela, em que eram gravados vários artistas nacionais e internacionais. Então, em casa sempre teve muita música. E a minha avó, que veio da Eslovênia depois da Segunda Guerra Mundial, para o bairro Campestre, em Santo André, em 1950, para começar uma vida nova praticamente do zero, tocava um pouco de violão. Uns quatro ou cinco acordes que ela sabia e cantava músicas folclóricas da Eslovênia. Então desde pequeno eu vi minha avó tocar violão. Quando o Alice Cooper veio tocar no Brasil, em 1974 – e eu lembro da propaganda feita no Fantástico –, foi minha primeira memória que eu tenho de conexão com o rock. Depois foi o Peter Frampton, que eu lembro que veio para o Brasil, e o Queen em 1981. Eu já estava ouvindo rock. Um vizinho mais velho que eu lá do bairro Campestre tinha vários discos e fazia várias fitas para mim, do Queen, Led Zeppelin, Black Sabbath... E, enfim, eu fui ter aula de violão, porque eu queria tocar. Era o meu sonho impossível, mas a minha professora Denise, também do Campestre, começou a me ensinar os acordes básicos, e a primeira música que eu aprendi foi Planeta Água, do Guilherme Arantes. E aos poucos ouvindo heavy metal, eu eventualmente formei minha banda. Comecei a ouvir música mais pesada, tocar guitarra elétrica. Mas eu nunca larguei o violão, até hoje eu estudo o violão.

Como ocorreu a sua entrada no Sepultura? 

Quando eu entrei não houve um convite. São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte tinham uma conexão, onde a galera se conhecia. E em Santo André, na frente do Colégio Singular, tinha uma loja de discos que se chamava Fucker Records, foi ali que eu conheci o Igor Cavalera (baterista e um dos criadores do Sepultura). Foi um ano especial, mas também para mim foi um ano de limbo. Porque eu estava fora da escola, não namorava, estava sem banda, não sabia o que fazer na faculdade. E então fui passar férias com amigos daqui lá em Belo Horizonte, em janeiro de 1987. Conheci mais de perto todo mundo do Sepultura, fui aos ensaios e aí nos intervalos eu sentei lá com o Igor e comecei a tocar Destruction, Kreator Slayer com ele. E o engraçado é que foi uma conexão musical imediata entre eu e o Igor. A gente começou a tocar e foi muito legal. Eu ainda voltei com eles para São Paulo, porque eles tinham um show em Santa Isabel com várias outras bandas, fui lá para ajudar e foi o único show do Sepultura que eu vi antes de entrar na banda. Logo depois o Jairo (Guedez, guitarrista) saiu, e como eu tava meio sem banda, sem muita perspectiva, eu achei que aquela conexão com o Igor e ter conhecido todo mundo tinha a ver, e eu senti que eles tinham a mesma vontade, o mesmo sangue nos olhos de que tem de fazer acontecer, de ter banda, de seguir uma uma profissão mesmo, de fazer um negócio sério. Então eu fui para Belo Horizonte. Eles estavam procurando um guitarrista e eu procurando uma banda. Juntou a fome com a vontade de comer e foi.

Sobre o público da região, como é a sua relação e dos outros integrantes da banda com os fãs do Sepultura no Grande ABC? E qual a expectativa para o show em Santo André? 

Eu ainda tenho amigos aqui da região, meus pais moravam aqui até recentemente. Eu acho que gostaria de ter tocado mais no Grande ABC. A gente está se despedindo e tudo, eu ainda quero fazer um show em São Bernardo, porque foi onde eu nasci. A gente já tocou em Belo Horizonte, onde nasceu o Paulo (Xisto, baixista), tocamos em Cleveland (Estados Unidos) do Derrick (Green, vocalista). Ver o máximo possível para tocar nas cidades que a gente já foi, visitar tudo e inclusive cidades que a gente nunca foi, enfim, queremos fazer com calma e queremos ir para vários lugares. Mas voltar para o Aramaçan, tem um outro fato histórico, foi lá o último show que a gente fez em 1994, inclusive o baixista do Ramones participou, tocou com a gente nesse show e foi muito emblemático. Tocar em casa, em Santo André. Morei muitos anos aqui e eu era sócio do Aramaçan, frequentei várias vezes os bailes de escola do Singular. Mas para esse show a expectativa é rever amigos que a gente só vê nessas ocasiões, quando a gente volta, mas vai ser muito bom e a expectativa é boa.

Como foi para você planejar a Celebrating Life Through Death, a turnê de despedida? 

Pois é, começou há uns dois anos. Antes de a gente fazer o anúncio (do encerramento da banda). E depois foi um processo bem pensado e tranquilo. Acho que a pandemia tem um pouco a ver com isso, dessa coisa de encerramento de ciclos e você procurar novas possibilidades. Uma porta que se fecha e dez outras se abrem. A minha esposa também faleceu há dois anos, de câncer, foi um processo difícil... Um ano e meio desde o diagnóstico até ela falecer. Os últimos dias foram muito difíceis, todo aquele aspecto do cuidado paliativo. Por que que não se fala de eutanásia nesse País? Por que a gente não conversa sobre a morte em geral? Acho que tudo isso que eu passei tem muito dessa coisa de acabar, e de respeitar a finitude. A gente acaba com vários ciclos todos os dias de nossas vidas praticamente, e você tem novas possibilidades e novas experiências. E acho que eu vejo mais por isso, é um processo de agradecimento realmente pelos 40 anos de uma banda, de uma história maravilhosa, a gente está no melhor momento, muito organizados, e vamos parar conscientemente, tranquilos e em paz com essa decisão. Falei individualmente com todo mundo para ter certeza mesmo se era isso, e acho que é a melhor coisa que a gente pode fazer. Os shows estão sendo muito emotivos, estamos vendo como o Sepultura é importante na vida de cada um e como os fãs são importantes na nossa vida e são esses 40 anos que a gente está aqui graças a isso, a esse relacionamento de altos e baixos, mudanças dentro da banda, mudanças tecnológicas, e mesmo assim, tocando pelo mundo inteiro, em mais de 80 países que a gente já visitou, sempre crescendo, sempre trabalhando com o presente. Acho que respeitar a finitude, respeitar finais de ciclo, é a coisa mais saudável que tem, a morte tem sido para mim a minha maior professora, me deu uma nova vida. E em relação ao Sepultura é muito isso também, a gente tá se sentindo jovem apesar dos nossos 40 anos de história. Tenho uma motivação para começar outros projetos, para trabalhar com gente diferente e levar minha música para outros lados. Isso é cultura, não vai acabar nunca, o Sepultura tá aí, os discos vão continuar, mais projetos envolvendo a banda, é um processo muito saudável sabe.

Como descreveria a evolução musical do Sepultura ao longo destes 40 anos? 

Eu acho que a gente não parou de evoluir. A gente sempre buscou informações. Eu estudo até hoje. Estudo violão com professor, com lição de casa. Tempo para estudo, para se dedicar e estudar é a melhor coisa do mundo. Eu acho que a música e a arte, elas são um fator de união, de tolerância, de saber trabalhar em grupo, saber ouvir crítica, saber ouvir um não, de procurar novas soluções, novos caminhos para problemas, não ficar só preso a uma certa coisa. Tipo, você é criativo mesmo? A arte te ensina isso, de você ver novas possibilidades para os mesmos problemas. Enfim, a gente se manteve. Você ver que a profissão que me escolheu, eu posso tocar até os 100 anos de idade, você ver aí o Jerry Lee Lewis fazendo uma turnê com mais de 90 anos, Paul McCartney, Rolling Stones. Cara isso é muito motivante, o Andrés Segovia (violonista espanhol) morreu com 91 anos e cancelou o show porque morreu. É isso que eu quero, viver bem velhinho e com a música você se adapta. Não é como outras várias profissões aí, a música você pode ir para sempre. É muito legal isso e acho que tem muito a ver com essa coisa do Sepultura também parar, de dar essa chance para a gente mesmo. A gente não precisa ser escravo de uma marca ou do que as pessoas acham que a gente tem de ser. E tem essa liberdade e essa paz de ter essa decisão é realmente uma coisa sensacional.

O que os fãs podem esperar do Andreas pós-Sepultura? 

Esperar música, com certeza. Mas eu também não estou muito preocupado com isso ainda, obviamente a gente já tem vários projetos paralelos com o Sepultura. Mas a gente vai ter um pouco mais de tempo para se dedicar a isso, mas também outras possibilidades vão surgir. Temos no mundo inteiro músicos que podem criar projetos, enfim. Tá tudo muito aberto e eu estou me preparando para essa nova fase, estudando muito, principalmente me dedicando mais ao violão para abrir novas possibilidades, novas ideias e, obviamente, não vou largar a guitarra. Eu acho que é muito do presente mesmo, de ver as possibilidades, o que a gente quer é curtir o momento, é curtir a festa, curtir essa despedida, para depois definir.




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