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Salve a Rainha do Rádio
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
30/11/2010 | 07:58
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Abelim Maria da Cunha, Ângela Maria ou Sapoti, há 30 anos já não era o expoente máximo da canção. Sua voz, já sagrada há tantos outros carnavais, destoava dos graves, médios e sintetizados timbres que surgiriam ou se destacariam nesta mesma época. Seu repertório, que logo no surgimento da bossa nova, há 50 anos, era considerado brega e datado, já não ditava mais moda.

Mas ainda assim, como se pode ver no DVD "Abelim Maria da Cunha" (EMI, preço médio não divulgado), da série "Grande Nomes", da TV Globo, a influência do seu canto moldou artistas de todas as gerações que seguiram à sua e o seu repertório, sempre valeu ouro e endossam sua fama de primeira-dama da canção brasileira.

Gravado em 1980, com direção de Daniel Filho e produção e direção musical de Guto Graça Mello, o especial é um tributo daqueles que não se vê mais na TV em horário nobre. Acompanhada de orquestra, num cenário caprichado, Ângela passeia ao longo de 14 músicas, entre os clássicos que a consagraram Rainha do Rádio de 1954 e canções das novas gerações.

Na abertura, uma voz em off diz: "Paixão, amor, separação, tristeza, solidão, esses sentimentos são universais, mas para nós brasileiros têm nome próprio, o nome de uma cantora que fez deles voz, música e arte". Ângela entra em seguida, em um longo azul e os cabelos presos em um coque, entoando as belezas tropicais em "Inspiração" (Bruno Marnet).

Entre os clássicos que executa, estão "Escuta" (Ivon Cury), "Fósforo Queimado" (Paulo Menezes, Milton Legey e Romerto Lamego), "Tango Para Tereza" (Jair Amorim e Evaldo Gouveia) e "Vida de Bailarina" (Américo Seixas e Chocolate).
Em "Amendoim Torradinho" (Henrique Beltrão), abre espaço para sua xará, Ângela Ro Rô, que interpreta, sozinha - sem que se entenda o porquê - "Amor, Meu Grande Amor" e "Me Acalmo Danando", duas canções suas, a primeira em parceria com Ana Terra.

Elis Regina, de repente, invade o vídeo, em gravação, contando a importância da cantora em sua vida, evidenciando que imitava Ângela Maria e que foi inspirada nela que decidiu seguir cantando e valorizando a sua voz.

De Dalva de Oliveira, Ângela canta "Que Será" (Marino Pinto e Mario Rossi), num bonito abuso de agudos e erres, numa clara imitação do estilo da primeira.

João Bosco surge quase no fim, para dividir o palco e emprestar seu violão e voz em Miss Suéter, canção sua parceria com Aldir Blanc.

Os destaques ficam por "Grito de Alerta" e "Apenas Mulher", ambas de Gonzaguinha. A voz além da média de Ângela casa muito bem com as rebuscadas letras do compositor. É a prova definitiva de que qualidade e audiência não são produtos que se casam a todo momento.

Cantoras são desvalorizadas - Salvo raríssimas exceções, entre elas, talvez, só cabe destacar Maria Bethânia e Gal Costa, as cantoras brasileiras não têm o devido valor reconhecido. O mais incrível é o contorno de tragédia, que especificamente no caso das vozes femininas nacionais, permeia a história.

As que não tiveram oportunidade de cair no esquecimento, foi porque morreram no auge de suas carreiras. Entre elas, Carmen Miranda, Dolores Duran, Maysa, Elis Regina, Clara Nunes, Nara Leão e mais recentemente Cássia Eller.

Algumas que viveram para ver outras auroras, minguaram à margem das manias musicais que consagram em um dia e repelem no outro.

Dalva de Oliveira, importante dama da canção brasileira, nos anos 1960 ficou inadequada para os meios de comunicação. Ainda que sua voz de autêntica soprano continuasse cristalina, sua imagem com peruca, vestidos pretos e cara de sofrimento, de quem de fato viveu os boleros que interpretou, já não servia para atrair a audiência dos amantes da bossa nova, dos recém fanáticos pelo rock and roll. Morreu em 1972, sem nada significativo nos últimos anos de vida, tirando algumas marchinhas carnavalescas, que reduziram seu repertório e não contemplaram seu vozeirão.

Aracy de Almeida, a grande intérprete de Noel Rosa, é outro caso. Nos últimos anos de vida, contou com a ‘caridade' de Silvio Santos, reduzida, de a grande cantora de samba à ranzinza jurada do seu programa de calouros.

Elizeth Cardoso também. A Divina, como ficou conhecida, teve um fim difícil, em que situação, principalmente financeira, não condizia à consagração que viveu nos seus melhores anos.
Ângela Maria, sobrevivente de todas essas histórias, ainda está viva. E como ainda tem voz, não podemos permitir que se vá muda.




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