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Chulapa acredita no S. Caetano, mas teme maracutaia
Edélcio Cândido
Da Redaçao
07/11/1999 | 23:43
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Serginho Chulapa e o futebol têm tudo a ver. Como a maioria dos ídolos do esporte, esse paulista do bairro da Casa Verde, Sérgio Bernardino, nasceu pobre, na ante-véspera do Natal de 1953. Viveu uma infância conturbada, jogou nas peladas de ruas, foi briguento na várzea, vilao, virou herói no Sao Paulo, defendeu a Seleçao Brasileira (1982), ficou famoso, amante do carnaval, do pagode, valentao, mas amadureceu. Se quisesse, a sua vida renderia um livro com deliciosas histórias. Gols? Marcou mais de 200 nos dez anos de Sao Paulo, fez outros decisivos e mais de 500 pelos 11 clubes que já defendeu na carreira.

Hoje, aos 46 anos, ex-jogador e técnico desempregado - último clube foi o Remo de Belém do Pará - Serginho mantém o alto-astral. Prega a "antiviolência" no futebol e faz até palestras condenando o uso de drogas. De bem com a vida, com a família e os filhos, além de curtir uma "aposentadoria tranqüila" em Santos, Serginho tem muito a ver também com o futebol profissional do Grande ABC. Jogou no Sao Caetano em 1991 e 1992, onde acabou artilheiro no segundo ano com 18 gols, e ainda treinou a equipe em 1997 - substituto do técnico Fedato - chegando ao quadrangular decisivo da Terceira Divisao. Na hora da verdade, porém, o time sucumbiu e Serginho caiu.

Do alto de seu conhecimento, da experiência de ter jogado por 11 clubes, Chulapa aposta no futebol do Sao Caetano para subir à divisao de elite de 2000, mas faz uma ressalva: "Só tenho medo das mutretas (referindo-se às más arbitragens em detrimento de clubes tradicionais, casos de Bahia e Goiás)". 

Para Serginho Chulapa, o Sao Caetano tem de ficar de "antena ligada" para nao cair em armadilhas. Em quase 20 anos de carreira, ele bateu e apanhou. Atuou pelo Sao Paulo, Santos, Marília, Marítimo (Portugal), Portuguesa Santista e jogou na Turquia, entre outros clubes. Defendeu a Seleçao de Telê Santana em 1982. Foi artilheiro absoluto do Tricolor em 1975, 1977 e em 1977. Obteve três títulos paulistas (75/80/81) e um brasileiro (1977) pelo Tricolor, além de outro título paulista pelo Santos, em 1984, que estao entre as maiores conquistas.

Bom para fazer gols, para contar causos, Chulapa, 1m95, também foi bom carnavalesco em defesa do Camisa Verde e Branco. Sua carreira foi trilhada por momentos conturbados em funçao do gênero explosivo. Hoje, mais caseiro, curtindo seus cinco filhos, esse ex-artilheiro lamenta ver muitos ex-companheiros "na pior" e confessa que desconhece quase tudo da Lei Pelé. "O que será que o negao quer aprontar?", pergunta a si mesmo. 

No simpósio Brasil Bom de Bola, na sede da Associaçao Comercial de Sao Caetano, Chulapa falou descontraidamente sobre o futebol, com frases de efeito e largos sorrisos. Recebeu elogios do radialista Fiori Giglioti e falou do que pensa sobre os gatos no futebol. A seguir trechos da entrevista ao Diário:

DIARIO - Você jogou e foi técnico do Sao Caetano. Como encara o atual momento da equipe que busca a elite do Brasileiro em 2000?

SERGINHO - Vi alguns jogos do Sao Caetano pela televisao e no campo. Cheguei quietinho no estádio e fiquei no meu cantinho. Gostei do time. Tem muita pegada, um miolo de zaga muito seguro e está arrumadinho no meio-campo, além de reservas à altura. Fez uma grande partida contra o Bahia, na Fonte Nova, e nao é fácil sair de lá sem derrota.

DIARIO - O que pode emperrar esse possível acesso?

SERGINHO - Quer que eu diga a verdade? Se depender de futebol, o Sao Caetano tem tudo para subir, tudo, mas tenho receio de arbitragens que usam dois pesos e duas medidas. Tenho medo de que a camisa do Bahia pese na balança nas finais. As maracutaias fazem parte do futebol. Uma coisa eu garanto: só dentro de campo nao se ganha título. Só a raça nao basta. Aprendi isso em meus longos anos de futebol. Tem que ficar esperto, ligado.

DIARIO - Destacaria alguns jogadores da equipe?

SERGINHO - O grupo é forte, uniforme. Mas cito três: o goleiro Sílvio Luiz, o volante Magrao e o meia Leto. Aquele menino, o zagueiro Daniel, é muito firme, segura legal trás, dá confiança. E o Sílvio mereceu ser lembrado para a Seleçao Sub-23.

DIARIO - Fale um pouco de suas duas passagens pelo Sao Caetano.

SERGINHO - Na condiçao de atleta, em 1991/1992, fui bem. Na última temporada marquei 18 gols e subimos da entao Terceira Divisao para a Segunda. Em 1997, como treinador, também vivi bons momentos. Assumi o posto em lugar do Fedato e levei o time para o quadrangular decisivo da terceira, com o Uniao, Olímpia e o Mirassol. Foi pena que perdemos três jogos e empatamos três. Aí fui demitido na boa, mas fiz a minha parte (risos).

DIARIO - Como você surgiu no futebol? Da várzea ou de alguma escolinha?

SERGINHO - Acho que nasci chutando tudo o que era bola. Brincava nos rachas de ruas lá na vila. Joguei em clubes varzeanos, lá na Casa Verde, em Sao Paulo, mas comecei mesmo foi no juvenil do Sao Paulo, no Morumbi, em 1972, com os treinadores Firmo de Mello e o José Poy.

DIARIO - Guarda grandes recordaçoes do Sao Paulo?

SEGINHO - Muitas. O Sao Paulo foi o tudo de minha vida profissional. Foram mais de dez anos, de 1972 a 1982 no Morumbi, convivendo com vários treinadores, ganhando títulos, viajando o mundo. Dali fui parar no Santos, Corinthians... seleçoes paulista e brasileira.

DIARIO - Você falou em Seleçao Brasileira. Por que nao deu certo?

SERGINHO - Nem gosto de falar deste assunto. Qualquer centroavante que vai para uma seleçao e nao marca jamais vai dar certo. Foi em 1982, com o Telê Santana. Quando joguei, fiquei preso a um esquema meio maluco, recuadao e abrindo espaços para o Zico e o Sócrates ficarem passeando em campo. Ora, meu negócio era fazer gols, ficar trombando na área. Foi um horror. Mas deixa prá lá. Sao outros tempos. Nao vale a pena.

DIARIO - Qual o melhor técnico com quem trabalhou?

SERGINHO - Ah! Foram vários. Mas o melhor mesmo, o paizao, aquele que me ensinou muito, que me deu força foi o Rubens Minelli, nos tempos do Sao Paulo, no final da década de 70. O título brasileiro de 1977 ganho dentro do Mineirao diante do Atlético foi histórico, apesar de que eu nao joguei na final por causa de uma contusao. Gostei também do Castilho, na época do Santos.

DIARIO - Quantos gols marcou em sua carreira?

SERGINHO - Alguém fez um levantamento dando conta de cerca de 560 ou 570 gols oficiais, por aí. No Sao Paulo, se nao me angano, foram 242 ao todo. Acho que sou um dos maiores goleadores da história do Sao Paulo. Preciso conferir.

DIARIO - E os gols mais importantes? Dá para lembrar alguns?

SERGINHO - Vou citar três. No Sao Paulo, no título paulista, em 1980, fiz o gol da vitória por 1 a 0 contra o Santos na decisao; em 1981, no bicampeonato, eliminamos a Ponte Preta. Foi 1 a 1 e 2 a 0. No último fiz um e o Renato Pé Murcho fez o outro. No Santos, em 1984, marquei o gol da vitória por 1 a 0, no último título paulista da equipe da Vila Belmiro, diante do Corinthians. Foi lindo demais. O Morumba estava superlotado. 

DIARIO - Você tinha um gênio muito forte, chegou a agredir jogadores, bandeirinha e fotógrafos no campo. E aquele caso com o Leao, na final do Brasileiro de 1981 (o jogador atingiu o supercílio do goleiro Leao, que estava caído)?

SERGINHO - Sao coisas que acontecem na hora do nervosismo. Na hora de uma decisao. O caso com o Leao é lembrado direto. Já foi. Mas nao guardo mágoas de ninguém e tenho certeza de que ninguém tem mágoas da minha pessoa. Simplesmente eu esqueci tudo. Para isso, eu também paguei caro, mas poe caro nisso. Recebi muitas suspensoes, perdi dinheiro. Certa vez, peguei gancho de 14 meses pela agressao ao bandeira Vandevaldo Rangel. É mole?

DIARIO - É verdade que você sempre teve um lado paizao no convívio com os seus companheiros de clubes?

SERGINHO - Creio que sim. Sou literalmente contra as drogas. Sempre procurei orientar os mais jovens para que guardassem as economias. Por isso, sou favorável às escolinhas. Você tira o garoto das más companhias.

DIARIO - Você guardou o suficiente para uma vida tranqüila?

SERGINHO - Nao posso reclamar. Graças a Deus a minha família e os meus filhos (cinco) estao desfrutando do que ganhei. Soube investir na hora certa. Sou um cara simples, sem luxo. Outro dia, fui numa palestra vip e fiquei até com vergonha: estava de jeans, boné, camisa estampada e tênis. Sou assim mesmo. A carreira de técnico também me ajuda muito. Acabo de deixar o Remo, de Belém do Pará, e estou esperando algum convite. Se nao aparecer, eu fico na praia (risos).

DIARIO - Por que deixou o Remo?

SERGINHO - O ambiente estava meio bagunçado. O elenco tinha 32 jogadores, mas uns dez poderia juntar num saco e jogar no rio. Nao faria falta (risos). Num certo jogo, o clube alugou um hotel e, para economizar, colocou quatro jogadores em cada quarto. Aí foi a conta. Larguei tudo.

DIARIO - Conhece alguns jogadores dos bons tempos de Sao Paulo e do Santos que vivem em dificuldades financeiras, que esbanjaram dinheiro?

SERGINHO - Vários. Tem muita gente caída. De vez em quando eu faço alguns amistosos no interior, convoco alguns cobroes e eles aceitam jogar por R$ 200 ou R$ 300 por partida. Estao na pior, infelizmente. Mas nao foi falta de avisá-los. Gastaram tudo o que ganharam e faz falta agora.

DIARIO - É mais fácil mandar ou ser jogador?

SERGINHO - Sao duas coisas bem diferenciadas. Como jogador, você é muito cobrado pela torcida, e como técnico tem de matar um leao por dia. Tudo o que acontece de ruim sobra para o treinador. Ninguém quer saber se você tem jogadores expulsos, suspensos, elenco reduzido, fraco ou se alguém está mal fisicamente, enfim, sao dezenas de problemas todos os dias. Haja saco! (gargalhadas).

DIARIO - Qual a nota (zero a dez) que daria a Wanderlei Luxemburgo? Ele tem futuro?

SERGINHO - Nota nove. É um profundo conhecedor de táticas, um disciplinador e tem muitas virtudes. Um nome certo. Acredito que tenha um futuro promissor. Basta dar tempo ao tempo.

DIARIO - Fale da Lei Pelé. Ela vai ser boa para o futebol?

SERGINHO - Tem hora que fico meditando. O que o negao (Pelé) está inventando para o futebol... Confesso que sou meio leigo nisso. Mas tenho medo de que o futebol-empresa possa acabar com os clubes pequenos, sem tradiçao. Corinthians, Palmeiras, Sao Paulo, Flamengo e outros vao se dar bem, mas e os pequenos? Aqueles times da Terceira Divisao? Será que a moçada vai suportar a era da modernidade? Nao sei nao. Vou esperar para ver...

DIARIO - Se nao fosse o futebol, o que seria do Serginho Chulapa?

SERGINHO - Nao sei. Nao sei. Fui um garoto muito pobre na infância. Nem parei para pensar, mas poderia ter virado um marginal. Sei lá.

DIARIO - Qual o maior jogador de futebol que viu jogar?

SERGINHO - Pelé.

DIARIO - Por que surgem tantos gols ultimamente no futebol brasileiro?

SERGINHO - Os três pontos por vitória obrigam os técnicos e os times a jogarem mais ofensivamente. O centroavante está mais valorizado. Há algum tempo andaram querendo matar o centroavante, assim como fizeram com o ponta-esquerda. Hoje nao existe mais lugar para os pontas. Sao todos meias.

DIARIO - O Romário alega que os gatos no futebol brasileiro já viraram instituiçao há muitos anos no país. Você concorda?

SERGINHO - Plenamente. O problema nasceu junto com o futebol. Mas os maiores culpados sao alguns técnicos de equipes de baixo e dos empresários. Eles forçam situaçoes absurdas quando querem valorizar um garoto bom de bola. Querem fazer um craque da noite para o dia. E nao é assim. Você sabe.  

DIARIO - Você teria alguma sugestao para acabar com os gatos?

SERGINHO - Difícil. Como fiscalizar algo que pode estar ocorrendo agora em Tocantins ou em Mato Grosso do Sul? Acho que as pessoas deveriam ter consciência disso e nao cometer trapalhadas. Nao sei se o Sandro Hiroshi tem ou nao culpa no cartório, mas e a carreira dele? Como fica o seu futuro? E se ele nao tiver culpa? Sao milhares de pessoas que sobrevivem do futebol e fazem esses abacaxis aí (risos).

DIARIO - E o Santos?

SERGINHO - A coisa está muito feia. O Pelé nao tem culpa. A casa está desarrumada. Ninguém segura a onda lá. Falta dinheiro.




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