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Aluna faz história e é a primeira mestra surda formada pela UFABC

Karina Vaneska se formou no curso de Engenharia e Gestão da Inovação e agora pretende fazer doutorado para continuar a carreira acadêmica

Thainá Lana
04/03/2024 | 07:55
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FOTO: André Henriques/DGABC


A UFABC (Universidade Federal do ABC) celebrou no fim do ano passado uma marca inédita nos seus 17 anos de história. Pela primeira vez a instituição formou uma aluna surda no programa de mestrado. Karina Vaneska Pereira de Carvalho, 41 anos, foi aprovada com a dissertação “Librateca: contribuições de uma plataforma virtual de registros da terminologia de Libras” e conquistou o título de mestra no curso de Engenharia e Gestão da Inovação.

 Por meio do trabalho da aluna e de outros colaboradores, a plataforma Librateca compilou termos técnicos em língua brasileira de sinais de várias áreas de conhecimento. O objetivo da plataforma é aprofundar e aprimorar dados sobre temas específicos, técnicos e científicos. “O diferencial desse trabalho é que, em uma plataforma, é possível acessar sinais de diferentes áreas. É como se fosse uma biblioteca de glossários”, declara a mestra.

Moradora de Taboão da Serra, município da Região Metropolitana de São Paulo, Karina ficou surda quando completou um ano e oito meses, após ser diagnosticada com infecção urinária e otite severa no ouvido. “Minha mãe foi alertada pelos médicos que eu precisava ser medicada, mas que a medicação poderia deixar alguma sequela grave, como cegueira, paralisia, entre outras. A minha sequela foi a perda da audição”, conta. 

Após o ocorrido, ainda antes de completar dois anos, Karina aprendeu Libras na Associação dos Surdos. Durante sua infância, foi exposta à língua de sinais por meio da convivência com crianças surdas nessa instituição. Segundo ela, essa experiência foi fundamental para o desenvolvimento das suas habilidades linguísticas e também para a integração na comunidade surda. 

Toda essa vivência, ainda muito jovem, influenciou no seu futuro profissional. Karina ministra aulas de educação bilíngue para surdos na Derdic, ligada à PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Sua trajetória na instituição pública do Grande ABC começou em 2019, quando ingressou no grupo de pesquisa SueLi (Surdos e Libras), a convite da professora Kate Kumada, que seria sua orientadora no mestrado.

Na ocasião, ela atuou como bolsista em um projeto de desenvolvimento de um jogo digital, na tradução para Libras desse material didático, e a partir dessa experiência o interesse por estudar na universidade cresceu. 

“Desde cedo, sempre fui apaixonada pela busca do conhecimento e pelo desejo de me destacar academicamente. Ao pesquisar sobre as universidades federais, fiquei impressionada com a excelência acadêmica, a infraestrutura de pesquisa avançada e a diversidade de oportunidades oferecidas pela UFABC. Enxergava nas universidades federais espaços onde poderia expandir meus horizontes acadêmicos, explorar novas áreas de estudo e contribuir para pesquisas inovadoras que impactam positivamente a sociedade”, pontuou.

Apesar do grande feito conquistado em 2023, o currículo acadêmico de Karina é extenso. Além do recém-título de mestra, ela possui quatro formações, sendo duas graduações, em administração e pedagogia, e duas pós-graduações, em marketing e em Libras. Sem tempo para descanso e com sede de conhecimento, Karina já retornou para sala de aula e atualmente é graduanda em Letras-Libras pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e pós-graduanda em docência em Matemática e práticas pedagógicas.

Sobre seu futuro, além das formações acadêmicas e de continuar ministrando aulas, Karina pretende ivulgar sua pesquisa e avançar nos estudos por meio da participação em congressos, publicação de artigos científicos e iniciar um doutorado. 

CENÁRIO DA FEDERAL 

Atualmente, a UFABC tem 292 estudantes PCD matriculados na graduação, 13 na pós-graduação, 10 no mestrado e três no doutorado. A ProAP (Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas) conta com um Núcleo de Acessibilidade, sendo a área da universidade responsável pelo acompanhamento do ingresso e da permanência dos estudantes com deficiência e das demais necessidades educacionais específicas. 

UNIVERSIDADE POSSUI NÚMERO INSUFICIENTE DE LEITORES DE LIBRAS

A UFABC (Universidade Federal do ABC) possui apenas três intérpretes de Libras para auxiliar estudantes surdos durante as aulas. A instituição admite que o número é insuficiente para atender a demanda educacional, mas afirma que está pleiteando junto ao governo federal a disponibilização de mais profissionais para atuar na área. 

O doutorando de Ciências Humanas e Sociais Erliandro Silva, 43 anos, é um dos alunos impactados com o deficit de intérpretes. Morador do município de Ilha Solteira, no interior de São Paulo, Silva enfrenta semanalmente uma viagem de cerca de 700 km para poder estudar no campus da universidade em São Bernardo.

Desde o início das aulas, no começo de fevereiro, o aluno sofre com a falta de profissionais, até o momento ele só contou com intérprete durante uma aula, em 26 de fevereiro. A atual situação da UFABC contraria a legislação brasileira, por meio do decreto de número 5.626, entre outras normas, que determina que as instituições federais de ensino, na educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras.

“Sendo um curso de doutorado, o qual é mais difícil de traduzir, exige um esforço físico e cognitivo muito maior. Permanecer por muito tempo traduzindo faz com que o corpo se canse e a qualidade da tradução diminua, ou seja, a qualidade do acesso à educação que eu estou tendo é menor do que a dos meus colegas de turma. Tudo isso é bastante triste, mas estou ciente de que o problema é muito maior, sendo político, social e econômico”, desabafa.

NOVAS CONTRATAÇÕES

A UFABC informou que realizou no ano passado um processo seletivo para contratação de profissionais intérpretes, e que após a finalização de todas as etapas classificatórias, os quatro candidatos convocados desistiram da seleção, o que inviabilizou os novos postos de trabalho na instituição.

“Além de manter esforços para contratações via processos seletivos próprios, atualmente, a própria UFABC busca formar mais profissionais qualificados para atender a demandas desta natureza, oferecendo um curso de graduação em letras-libras, por meio de parceria com a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Outra medida prática já em curso refere-se a atuação para viabilizar contratações de seis novos profissionais intérpretes, também por meio de parceria com a UFSC”, explicou a instituição. 

Sobre a situação de Silva, a UFABC disse que o caso está sendo acompanhado pela Proap (Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas), que busca implementar outras dinâmicas de aula, em caráter excepcional, para tentar minimizar as incompatibilidades no agendamento do serviço de Libras. 




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