Ney Matogrosso passou dez anos sem gravar músicas inéditas. Agora, felizmente, aos 25 anos de carreira, ele quebra esse jejum e leva para o recém-lançado álbum Olhos de farol (Polygram, R$ 18) algumas composiçoes feitas por gente pouco conhecida do grande público. Com isso, o intérprete consegue nao só arejar sua trajetória, mas também contribui para revelar parte da chamada nova safra da MPB. Entre outros, destacam-se músicos e compositores como Vicente Barreto e Celso Viáfora, autores da faixa que fecha o CD, o instigante cordel A cara do Brasil.

Viáfora, aliás, é um artista cuja formaçao se deu no Grande ABC, mais precisamente na Fundarte (Fundaçao das Artes de Sao Caetano). A letra, de fio a pavio, busca respostas capazes de definir o eixo atual da brasilidade: "Na verdade, o Brasil o que será?/ (...) É um caboclo sem dinheiro/ Procurando o doutor nalgum lugar/ Ou será o professor Darcy Ribeiro/ Que fugiu do hospital pra se tratar?/(...) Brasil-Globo de Roberto Marinho?/ Brasil-Bairro: garotos candeal?/ Quem vê do Vidigal o mar e as ilhas/ Ou quem das ilhas vê o Vidigal?/ O Brasil alagado, palafita?/ Seco açude sangrado, chapadao?/ Ou será que é uma avenida Paulista?/ Qual a cara da cara da naçao?/".

Diadema, em fato lamentável, também surge na letra como signo trágico do país: "O Brasil é uma foto do Betinho?/ Ou um vídeo da favela Naval?". A seleçao - 13 cançoes, ao todo - começa com Miséria no Japao (Pedro Luís - da banda Pedro Luís e a Parede), e segue com Gotas de tempo puro (Paulinho Moska); Vira-lata de raça (Rita Lee e Beto Lee); Novamente (Fred Martins e Alexandre Lemos); Chance de Aladim (Luli); Poema (cançao inédita de Cazuza e Frejat); Olhos de farol (Ronaldo Bastos e Flávio Henrique); Depois melhora (Luiz Tatit); Mais além (Lenine, Bráulio Tavares, Lula Queiroga e Ivan Santos); O som do mundo (Samuel Rosa e Chico Amaral); Fazê o quê? (Pedro Luís); e Bomba H (Alzira Espíndola e Itamar Assumpçao).

Miséria no Japao, de Pedro Luís, é um rap estilizado. Diz que a pobreza social nao é privilégio exclusivo do Brasil: "Quem foi que disse que a miséria nao ri?/ Quem tá pensando que nao se chora miséria no Japao?/ Quem tá falando que nao existem tesouros na favela?/ A vida é bela, tá tudo estranho/ É tudo caro, mundo é tamanho/". Depois, o líder da Parede retorna com o baiao aventureiro Fazê o quê?, um gênero que, como já se ouviu antes, soa magistral na voz privilegiada de Ney. Assim, ele canta: "Vô fazê, vô fazê/ Música pra enriquecer (o quê?)/ Os coraçoes e o planeta/ Basta um papel e uma caneta/".

A cançao de Luís Tatit (ex-Rumo) e a urbana crônica da vida de Moska sao outros preciosos achados de Ney. Olhos de farol, faixa escolhida para nomear o disco, era, até entao, um diamante escondido. O cantor lapidou a jóia de Bastos e Henrique e emprestou-lhe a delicada carga acústica que tem marcado seus últimos álbuns: "Porque tu és a lua e eu o sol/ Porque só brilhas quando eu durmo/ Sou condenado a te perder/".

Após a sublime trinca de CDs dedicados aos roteiros artísticos de Angela Maria, Chico Buarque e do binômio Tom Jobim/Villa-Lobos, Ney Matogrosso reaparece com esta louvável iniciativa de divulgar talentos. Já seria muito, mas, em funçao da veia deste renascentista tropical, Olhos de farol é bem mais.

A partir da próxima sexta-feira (dia 8), no Rio, Ney inicia sua temporada de sete dias no Metropolitan. O repertório inclui parte de Olhos de farol, além de O vira, Sangue latino e Homem com H. Depois, desembarca em Sao Paulo com o mesmo show - que, aliás, é contemplado com figurinos do estilista Ocimar Versolato, de Sao Bernardo (atualmente radicado em Paris, na França). Até lá, seu novo CD é uma fonte de prazeres inesgotáveis e, quem sabe, a promessa de um feliz - e já tardio - ano novo para a MPB.