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Escritor Euclides da Cunha já denunciava crimes contra indígenas desde o século passado

Entre 1904 e 1905, ele já alertava sobre o extrativismo do látex e a agressão contra os povos

Ivanir Ferreira
do Jornal da USP
26/02/2023 | 10:04
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Viagens de Euclides da Cunha (centro da foto) narravam tratamento criminoso com povos originários (Foto: Reprodução/Casa de Cultura Euclides da Cunha)
Viagens de Euclides da Cunha (centro da foto) narravam tratamento criminoso com povos originários (Foto: Reprodução/Casa de Cultura Euclides da Cunha) Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra

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Os relatos de viagem da expedição feitos pelo jornalista e escritor Euclides da Cunha entre 1904 e 1905 ao Acre e à Amazônia e publicados em forma de livros e ensaios impressionam por sua atualidade. Na época, o autor de Os Sertões (1902), sobre a Guerra de Canudos, na Bahia, já denunciava a violência contra os povos originários, a devastação ambiental e a exploração predatória dos recursos naturais da floresta, destruição cujos responsáveis eram os caucheiros peruanos, extrativistas que exploravam a região em busca de látex, seiva retirada de espécies vegetais usada para a produção da borracha. “Abrindo a tiros de carabinas e a golpes de machetes (um tipo de facão utilizado para poda de árvores) novas veredas a seus itinerários revoltos, e desvendando outras paragens ignoradas, onde deixariam, como ali haviam deixado, no desabamento dos casebres ou na figura lastimável do aborígine sacrificado, os únicos frutos de suas lides tumultuárias, de construtores de ruínas”, escreveu Euclides da Cunha.

Neste trecho, o escritor critica a lógica econômica e social de exploração do látex da seringueira e do caucho (árvore que também contém látex) para produção da borracha, uma vez que na virada dos séculos 19 e 20 havia uma demanda do mercado internacional pelo produto, devido ao advento da Segunda Revolução Industrial. Na linguagem da época, os escritos ressaltavam a invasão de territórios pelos seringueiros, a violência contra os povos indígenas e a ausência de aproveitamento da terra de forma racional e de longo prazo.

“Foi um período que marcou profundamente a vida dos povos indígenas e da paisagem social dessa região”, conta ao Jornal da USP o historiador José Bento Camassa, autor da pesquisa de mestrado Os icebergs e os seringais: representações e projetos políticos nos relatos de viagem de Roberto Payró sobre a Patagônia (1898) e de Euclides da Cunha sobre a Amazônia (1904-1905). Camassa analisou relatórios de viagens desses dois autores enviados especiais à Amazônia brasileira e à Patagônia, na Argentina, para colherem informações sobre esses territórios que, na época, haviam sido recentemente anexados geograficamente aos seus países. A pesquisa foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP.

Segundo o historiador, tanto Euclides quanto Payró tinham ambições intelectuais literárias publicando relatos de viagens, porque ambos os autores integraram um período de grande prestígio do ensaísmo e da viagem intelectual à América Latina. Euclides, por exemplo, queria repetir o feito do livro de sua autoria sobre a Guerra de Canudos que fazia muito sucesso editorial na época. Porém, o principal objetivo deles foi direcionar o debate público sobre a ocupação e o desenvolvimento da região, além de demonstrar a relevância que o território poderia ter na geopolítica sul-americana e mundial. Euclides seguiu rumo ao Norte amazônico, nos anos de 1904 e 1905.




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