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Caetano se rende à música americana
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
02/04/2004 | 19:06
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A sofisticação aparece até no encarte. Caetano Veloso está de CD novo, A Foreign Sound (Universal, R$ 33 em média), no qual deixa de lado o compositor para promover o intérprete. Se em Fina Estampa, de 1994, Caetano se dedicou ao cancioneiro latino-americano, agora ele se rende à canção norte-americana.

A camada de requinte de que se cobre o álbum, porém, funciona como um dispersor de naturalidade. De certa forma, a elegância que permeia os arranjos contribui para tornar algumas faixas aborrecidas. Se houvesse uma falha na produção dirigida por Caetano e Jaques Morelenbaum – por menos gritante que fosse –, A Foreign Sound seria um CD meramente regular.

Caetano incluiu no disco composições de Duke Ellington, Elvis Presley, irmãos Gershwin, Bob Dylan, Paul Anka, Irving Berlin, Cole Porter, Stevie Wonder e, surpreendentemente, Kurt Cobain. “Sempre tive grande intimidade com o repertório anglo-americano, sou fã não só do auge dos anos 20, 30, 40 e 50, mas também do pós-rock’n’roll, cujo maior representante é Bob Dylan”, afirma o baiano.

E ele revela uma certa modéstia quanto ao trabalho, cujo lançamento está previsto para a próxima semana: “não supunha que pudesse fazer nada de relevante. Pode ser que as minhas gravações suscitem algum interesse enviesado. Não espero mais do que isso.”

E o baiano também deixa escapar uma pontinha do desejo de ser mundialmente reconhecido: “a língua portuguesa é um gueto: embora haja muitos falantes dentro do mundo português, há muito poucos fora dele. Inglês é muito mais poder do que espanhol. Parece que ambiciono ampliar o mercado, entrar no grande mundo!”.

Provavelmente o CD será encontrado no exterior nas gôndolas de world music e concorrerá ao Grammy. “A Foreign Sound é um disco atípico – tomei liberdades maiores na seleção, que é alienígena para quem quer que seja.”

De fato, o álbum pode soar estranho tanto para nós quanto para os norte-americanos. Para nós, porque o repertório nada tem a ver com nossa história. E, para eles, por causa da combinação de elementos musicais alheios à cultura norte-americana.

Um exemplo é Stardust (Hoagy Carmichael/ Mitchell Parish): Armandinho faz um solo de bandolim em chave de choro sobre o pandeiro de Marcelo Costa. Outro? Cry me a River (Arthur Hamilton), em que o tamborim e o surdo de Costa fazem a aproximação da musicalidade brasileira com o repertório norte-americano.

O CD está repleto de clássicos, como The Man I Love (George Gershwin/Ira Gershwin), Sophisticated Lady (Duke Ellington/Mitchell Parish/Irving Mills) e Summertime (Dubose Heyward/George Gershwin/Dorothy Heyward/ Ira Gershwin).

Cole Porter comparece com duas composições (So in Love e Love for Sale) e Irving Berlin, com uma (Blue Skies). Há, ainda, Smoke Gets in Your Eyes (Jerome Kern/ Otto Harbach).

Tudo isso, mais a presença de Love me Tender (Elvis Presley/Vera Matson), indica que ares românticos, com muitas arranjos para cordas de Morelenbaum que se derramam, dominam o disco.

Há, entretanto, um evidente desacerto. Feelings (Morris Albert/Louis Gaste) continua execrável – parecem intermináveis os 4min33s da faixa.

It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding), de Bob Dylan, contém um scratch discreto do DJ CIA que busca uma conexão com o rap. Diana (Paul Anka) se torna naturalmente distante dos arranjos de bandas que tocam em bailes de formatura.

A Come as You Are (Kurt Cobain) falta a energia original, embora os riffs sejam facilmente reconhecíveis. O arranjo de Kassin, Berna Ceppas e Pedro Sá para If It’s Magic afasta a música do universo do autor, Stevie Wonder.




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