Setecidades Titulo Vulnerabilidade socioeconômica
Extrema pobreza atinge 311 mil moradores do Grande ABC

Região tem 11% da população que vive com R$ 3,50 por dia; número de famílias em vulnerabilidade socioeconômica cresceu 71% em quatro anos

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
21/11/2022 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


O Grande ABC tem 311.316 pessoas vivendo em situação de extrema pobreza. O número representa quase o total de habitantes de São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que soman 340.010 moradores.

Os dados do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) apontam que 11% da população da região têm renda renda familiar per capita de até R$ 105 por mês, ou seja, R$ 3,50 por dia. É com esse valor que os moradores precisam comprar alimentos, itens de higiene, custear as contas básicas do domicílio e ainda pagar o aluguel. 

“Na maioria dos dias tenho apenas o almoço para servir aos meus filhos. O arroz e feijão não faltam, mas o leite, o pão e a mistura é uma luta diária para conseguir”. O desabafo é de Cristiane Suellen Biazoto, 34 anos, que mora com seis filhos e o marido, Reges Rodrigues da Silva, 29, em um barraco de madeira na Invasão Oratório, em Mauá.

A dona de casa e seu companheiro não conseguem emprego fixo ou com carteira assinada há pelo menos um ano. “Em um mês bom conseguimos R$ 380, os dois, mas quando não aparece serviço o valor diminui para menos de R$ 100”, conta. A família é cadastrada no CadÚnico e recebe o benefício do Auxílio Brasil. 

O dinheiro do programa é insuficiente para pagar todas as contas. Além dos serviços informais, eles sobrevivem com doações. “Muitas pessoas me ajudam com cesta básica, roupas e fraldas para as crianças. Tenho certeza que logo vou arrumar um emprego e as coisas vão melhorar”, diz, esperançosa, Cristiane. 

Assim como a mauaense, outras 116 mil (87%) das famílias da região que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica recebem o benefício do governo federal. Porém, os R$ 600 pagos a essa parcela da população são insuficientes para oferecer uma vida digna, alega o doutor e professor de economia do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero. 

Como ideal, o docente defende o salário mínimo de R$ 6.458,86 para uma família de quatro pessoas. O valor corresponde à Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada em outubro pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). A quantia corresponde a mais de cinco vezes o piso federal atual, de R$ 1.212.

“O que estamos fazendo com essas pessoas é evitando que elas morram de fome, tanto com o valor do salário mínimo quanto do Auxílio Brasil. Com esse dinheiro você só não passa necessidade se tiver ajuda de alguém. Estruturamos um País extremamente desigual e essa desigualdade, que havia caído nos últimos 16 anos, voltou a crescer recentemente”, ressalta o economista. 

ALTA NA POBREZA

O cenário de crescimento de vulnerabilidade socioêconomica apontado por Ricardo Balistiero também ocorreu nos municípios do Grande ABC. Nos últimos quatro anos, comparando o mês de agosto de 2019 com o mesmo período de 2022, o número de famílias vivendo em situação de extrema pobreza cresceu 71%. 

Em 2019 havia 78.560 famílias em maior grau de vulnerabilidade, enquanto neste ano o número saltou para 134.270.

A pandemia do coronavírus e a crise econômica enfrentada pelo País são os principais motivos para o expressivo aumento, conforme destaca o professor de políticas públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC) Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes. 

“O mundo teve um grande choque de desestruturação das atividades econômicas. O Brasil vinha se recuperando, porém a crise política brasileira não contribuiu para essa melhora. O choque inflacionário em consequência da pandemia refletiu no aumento da fome e da pobreza mundial”, explica o docente.

PROTEÇÃO SOCIAL 

O município tem papel crucial no sistema de proteção social, segundo afirma o professor Ivan Filipe de Almeida. “O serviço de busca ativa dos serviços sociais são fundamentais para chegarem nas pessoas que mais precisam. Porém, é importante ressaltar que a política de transferência de renda sozinha é incapaz de sanar as enormes desigualdades sociais do País. São necessárias a implementação de outras políticas públicas em diversas áreas, como saúde, moradia, educação, transporte, entre outras.”

Para o economista Ricardo Balistiero, apenas com o crescimento econômico do País que as famílias sairão da extrema pobreza. “O programa social não é um favor que o Estado está fazendo à população. O serviço social é um dever do Estado, primeiro porque temos a maior carga tributária do mundo, segundo que um dos deveres da carga tributária é cumprir com a função social. O dinheiro do benefício é injetado de volta na economia, que contribui para o crescimento econômico. É um ciclo.”

Precariedade habitacional é realidade na maioria dos domicílios

O perfil dos domicílios das 134.276 famílias que vivem em situação de extrema pobreza no Grande ABC revela a precaridade habitacional a que os moradores são submetidos. O saneamento básico, que está atrelado ao aumento da qualidade de vida das pessoas e é um direito assegurado pela Constituição Federal e definido pela lei de número 11.445, de 2007, não chega a todos os moradores das sete cidades. 

Do total de famílias em situação de vulnerabilidade, 6,8%, ou 9.131 domicílios, não possuem tratamento de esgoto adequado. Entre as principais formas de escoamento destacam-se: fossa séptica, vala a céu aberto e escoamento direto para um rio, córrehgo ou lagoa. 

Os dados da plataforma Cecad 2.0, do Ministério da Cidadania, mostram ainda que a falta de água canalizada atinge 1,3%, ou 1.807 famílias nos sete município – Santo André é a cidade do Grande ABC com mais residências sem água canalizada. 

Na casa de Cristiane Suellen Biazoto de Moraes, 34 anos, localizada na Invasão Oratório, em Mauá, a família precisa conviver com a ausência de escoamento de esgoto adequado e energia elétrica própria. “O dinheiro não dá para pagar a luz. Contamos com a energia elétrica compartilhada por vizinhos”, conta a dona de casa. 

Assim como ela, outros 20,3% domicílios da região possuem energia elétrica com medidor comunitário. Em situação ainda mais grave, 47 famílias utilizam a vela como fonte de iluminação e oito famílias utilizam óleo, querosene ou gás. 

Em relação ao perfil da população em situação de extrema vulnerabilidade, o levantamento indica que das 311.316 pessoas, 54% são pretas ou pardas; 59,8% são mulheres; 26,5% não são alfabetizadas e 48,3% não tiveram trabalho remunerado nos últimos 12 meses.




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