Política Titulo GESTÃO
Falta de saneamento é o maior desafio ambiental do País, afirma ex-ministro

Em entrevista exclusiva, Ricardo Salles diz que críticas internacionais são motivadas pela falta de conhecimento das políticas públicas

Da Redação
05/09/2022 | 08:17
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Marcelo Camargo / Agência Brasil


O que o sr. gostaria de ter feito como ministro do Meio Ambiente e não foi possível?

A aprovação da lei geral de licenciamentos, que demorou dois anos e meio para tramitar na Câmara e agora dorme no Senado porque o presidente Rodrigo Pacheco não a coloca para ser votada. É uma lei importante, porque representa a verdadeira prioridade dos assuntos mais relevantes na área ambiental. Ela traz foco para determinados assuntos e tira da ótica ambiental temas que não têm muita relevância, consequentemente desafoga a máquina pública, permite liberar recursos para aquilo que realmente é relevante. Fizemos muita força, mas ela ainda não foi aprovada.

O que, na prática, vai mudar com esse projeto?

O licenciamento atual é muito desatualizado e não tem foco. Há mais demandas de temas a serem analisados do que estrutura, equipe, recursos financeiros. Isso gera a necessidade de priorizar. É preciso deixar assuntos mais simples por meio do autolicenciamento, em que a pessoa atesta que reconhece as normas e há fiscalização depois. Qual a lógica da necessidade de licenciamento ambiental para uma padaria? Só colocar as regras para um forno emitir gases, por exemplo. Mas para isso não precisa de licenciamento. Se não cumprir, multa. Outra coisa importante é a troca de cultura. Uma área de produção rural, onde tem soja, para mudar para pastagem de gado, qual a lógica de ter de licenciar novamente? Que diferença ambiental tem entre o gado e a soja? Nenhuma. Não há sentido exigir isso dos órgãos ambientais.

Há muita burocracia no licenciamento ambiental?

Sem dúvida. Excesso de regras, etapas, falta de foco, de celeridade. Isso decorre da nossa mentalidade brasileira, que é muito burocrática, mas também decorre de visão equivocada de certos ambientalistas. Quando não licencia determinada atividade e ela não gera prosperidade em uma região, a consequência prática disso é a pobreza. E é a pobreza que gera desrespeito ambiental. Isso leva à conclusão de que a prosperidade sustentável traz o equilíbrio ambiental.

Não é surpreendente ouvir isso de um ex-ministro do Meio Ambiente?

É que muitos ministros atuaram na base da demagogia e da parceria com quem ganha dinheiro na área ambiental, como ONGs e acadêmicos, quando a questão ambiental deveria ser um valor disseminado em todos, seja direita, esquerda, liberais, conservadores, progressistas. Para cuidar do meio ambiente, é preciso ter desenvolvimento econômico. Não dá para ter regras impossíveis de serem cumpridas. Se a regra for racional e equilibrada, as pessoas vão cumprir. Ninguém quer ficar fora da regra e sujeito a penalidades. Mas se você inventa normas, a consequência é desrespeito.

Ser ministro do Meio Ambiente de um governo de direita é mais difícil?

Muito mais difícil. Talvez seja uma das Pastas mais difíceis do Brasil. Porque foram 22 anos de esquerda no poder produzindo normas, leis, decretos, regulamentos, colocando pessoas em conselhos, e quando um governo como o do presidente Jair Bolsonaro, que é uma administração pró-mercado, liberal e conservadora, todo esse arcabouço de normas já está arraigado na Pasta. E é contra esse aparelhamento ideológico que é necessário trazer uma nova visão. E esse conflito de visões é que traz a grande dificuldade. São 6 mil funcionários que são de carreira, treinados por normas criadas pela esquerda. E não dá para substituir porque elas prestaram concurso. Por outro lado, há um governo eleito para mudar isso. Até que seja possível convencer essas pessoas ou parte de que a visão que eles defendem não é a mais adequada é um pouco mais difícil. Hoje a questão ambiental mais importante para ser resolvida é a falta de saneamento e má gestão do lixo. Os ministros de esquerda nunca se preocuparam em resolver isso. Isso é mais importante do que discutir mudança climática.

O Marco Legal do Saneamento diminui um pouco esse problema?

É uma legislação muito importante. A única maneira de fazer investimentos no setor é trazer o setor privado, por meio de concessões e PPPs (parcerias público-privadas). Para isso, é necessário previsibilidade jurídica, tarifa e retorno econômico, que acontece após 15 anos da operação. Por isso. é importante ter segurança jurídica. A esquerda não só não fez como votou contra o Marco Legal. Mas felizmente conseguimos aprovar.

Por qual razão ainda não temos o Rodoanel totalmente concluído, já que o Trecho Norte ainda não está pronto?

Uma das questões que atrasou a obra foi a questão do licenciamento ambiental. Não foi bem feito esse diagnóstico dos caminhos por onde a estrada iria passar e seus impactos. E há um subdimensionado do custo de obras, que acaba gerando em aditivos. No Trecho Norte, houve supervalorização das indenizações e o processo não anda. E aí não há orçamento do governo que dê conta dessa situação.

O sr. fala muito em amarras. Foi isso que quis dizer quando usou a expressão ‘passar a boiada’ em uma reunião ministerial?

Sim. Foi uma figura de expressão na qual quis dizer que tudo que era excessivamente burocrático, precisava ser revisto. Quando eu falei isso, estava me referindo a regras irracionais e estúpidas em todos os ministérios. Disse que a gente deveria fazer ações favoráveis ao desenvolvimento. O Brasil é o principal agente de seu subdesenvolvimento, com
a burocracia, corrupção, falta de racionalidade e demagogia de certos órgãos.

Por que há tanta crítica internacional do que chamam de falta de política ambiental do atual governo?

Falta de conhecimento do que está acontecendo de verdade no Brasil, além de um movimento político internacional para se opor a Bolsonaro. Há muita gente que fomenta essa questão ambiental para ganhar dinheiro e vender consultoria. Quanto mais alarmista é o discurso, mais palestra essa turma vende. E tem muita gente que quer chantagear o governo. Muitas ONGs estavam penduradas no governo e isso acabou.

Então eles não têm razão?

Razão não. O que podem ter é uma certa procedência sobre a importância da discussão ambiental. Eu cito o exemplo da devastação da Amazônia. Ainda lá 84% de vegetação nativa preservada. A Europa tem 4%. Só que vivem na Amazônia 25 milhões de brasileiros. Não é um lugar vazio. Essas pessoas precisam trabalhar, comer, se desenvolver, têm o direito de mandar o filho para a universidade, a ir ao médico, a fazer compras. E essa turma lá de forma tenta convencer que a melhor forma de viver lá é pelado e caçando. Eu fui a várias tribos e a maioria quer prosperar na vida. O grande problema da questão ambiental na Amazônia é a miséria.

Então o sr. acha que sua gestão foi injustiçada?

Nós pagamos o preço por quebrar paradigmas e mostrar que o caminho da política ambiental estava errado. O desmatamento da Amazônia vem crescendo há dez anos, ao contrário do que as narrativas dizem. O topo do desmatamento foi no governo do PT, com Marina Silva como ministra. Em 2004, o desmatamento atingiu 28 mil quilômetros quadrados. O do ano passado foi de 13 mil quilômetros quadrados.

Mas não vem crescendo?

Bateu o mínimo histórico em 2012, com 4.500 quilômetros quadrados e depois começou a subir novamente. A pergunta que me fazem é por qual razão essa tendência de queda não permaneceu. E isso aconteceu porque não se cuida das pessoas, não dá alternativa delas viverem adequadamente. Se você diz para alguém que não pode fazer nada, ela faz o que quiser. Teria sido muito mais inteligente cuidar dessas pessoas que moram na Amazônia.

Neste ano há possibilidade real do eleitor paulista eleger como deputado federal dois ex-ministros do Meio Ambiente (Salles e Marina), ainda que com visões antagônicas. O que isso pode significar?

A Marina é uma fraude. Por que ela não foi ser candidata a deputada ou senadora pelo Acre? Porque no Estado dela não se elege a nada. As pessoas sabem que ela é demagoga. Tudo que ela defende para a Amazônia os moradores daquela região não querem. Quem gosta do discurso da Marina é a esquerda caviar da Vila Madalena e dos Jardins.

Falando da disputa federal, não está faltando proposta entre os dois principais candidatos a presidente?

Essa é uma eleição cuja decisão se dará entre a escolha de dois modelos. Mais do que uma escolha entre Bolsonaro e Lula, entendo que estamos falando de dois modelos de mundo para o Brasil. Ou o País vai seguir a receita de mundo que deu certo ou vai seguir a que deu errado. Olha o que está acontecendo no Chile, na Venezuela, na Argentina. A que dá certo é a do Japão, Alemanha, Estados Unidos. Não estou nem entrando na seara da corrupção do PT e sim no modelo. Que caminhos vamos escolher para seguir?

Qual sua relação com o Grande ABC?

Conheço muito a região, inclusive administrei o Parque Chácara Baronesa, na divisa entre Santo André e São Bernardo. Vim inúmeras vezes para colocar programas ambientais de pé. O papel do parlamentar federal é coletar demandas e dificuldades para ajudar a região. O Grande ABC tem um grande potencial e precisa se modernizar, principalmente na indústria. E quero apoiar a região em Brasília.




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