Bicentenário da Independência do Brasil Titulo Bicentenário da Independência
Movimentos negros lutaram contra o domínio português no Brasil e pelo fim da escravidão

População negra teve participação significativa em episódios históricos no processo de emancipação do País

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
30/08/2022 | 08:29
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Reprodução


Além do 7 de setembro, dia em que Dom Pedro 1° teria proclamado a Independência do Brasil, outros importantes episódios também marcaram a história do País. A população negra escravizada à época, que era maioria no território brasileiro, participou de diversas lutas pelo fim do domínio português e também pela abolição da escravatura.

Movimentos como a Conjuração Baiana, também chamada de Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios (1798- 1799); Inconfidência Mineira – apesar de contar com a participação da população negra, o movimento era promovido pela elite mineira, que era contrária à abolição da escravidão (1789-1792), e a Independência da Bahia (1822 -1823) são alguns dos levantes que marcaram a luta negra no período.

Uma das revoltas mais emblemáticas pela autonomia do País é a Independência Baiana, que ocorreu um ano e cinco meses após a proclamação feita por Dom Pedro 1°, em 1822. Os eventos tiveram importantes participações de personagens negras, como Maria Quitéria e Maria Felipa, que ajudaram a enfrentar os soldados portugueses durante a luta pela emancipação do Estado baiano.

É possível destacar ainda outras lideranças negras durante as revoltas. Na Conjuração Baiana, além do comando dos alfaiates (João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira), o movimento também foi encabeçado por Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas – os dois foram enforcados e depois esquartejados em praça pública para intimidar a população negra. A conjuração foi um movimento político popular ocorrido em Salvador que tinha como principais objetivos separar a Bahia de Portugal, abolir a escravatura e atender às reivindicações dos mais pobres.

A Revolução Haitiana, em 1791, foi outro momento histórico que ajuda a compreender o processo de independência do Brasil, destaca Silene Ferreira Claro, pós-doutora em história e professora visitante da UFABC (Universidade Federal do ABC). A revolução foi uma grande rebelião de escravos e negros libertos que aconteceu na colônia francesa de São Domingos e a conduziu à independência – o levante foi motivado pela grande exploração e violência do sistema colonial escravista francês naquela região.

“Toda violência que a população haitiana havia sofrido durante o período colonial foi reivindicada pelos negros. Muitos senhores de engenho ficaram com pavor gigantesco da população negra do Brasil, porque se no Haiti, que era um território pequeno, aconteceu a revolução, eles ficaram imaginando o que poderia ocorrer no território brasileiro, devido a maior quantidade de negros presentes na época”, explica a docente.

Segundo a pós-doutora em história, o século XIX no Brasil colônia começa com uma panela de pressão devido ao impacto ocasionado pelos ideais promovidos pela Revolução Haitiana.

RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO

A docente pontua ainda que além das lutas armadas, a população negra escravizada encontrou outras formas de resistir à violência. “Lutar não é só pegar em arma. A reivindicação pela cidadania dos negros ocorria por diversos meios sociais, culturais, religiosos, e até pela própria sobrevivência individual”, ressalta.

A manutenção de quilombos em diversas partes do País é um dos primeiros exemplos citados por Silene. Os espaços comunitários construídos por escravizados fugidos de fazendas foram uma das maneiras de resistir ao sistema escravocrata.

Manifestações sociais e culturais também eram utilizadas pela população como forma de resistência. A capoeira surgiu como resposta à violência que os escravizados eram submetidos em tempos coloniais e imperiais no Brasil.

A representação cultural, que mistura esporte, luta, música e dança, era utilizada como defesa pessoal das perseguições dos capitães do mato, cuja atribuição era capturar quem havia fugido das fazendas. Os senhores de engenho proibiram que fossem praticado qualquer tipo de esporte, por isso os capoeiristas adaptaram os movimentos e adicionaram elementos coreográficos e musicais, camuflando seu verdadeiro significado.  

O racismo é a herança do império, diz historiador

Mesmo após a proclamação da república, em 1822, a abolição da escravidão só ocorreu em 1888, por meio da Lei Áurea. Neste período de transição e inserção de liberdade e cidadania para população negra, a sociedade da época deixou de ser escravocrata para se tornar racista, defende Ramatis Jacino, professor de ciências econômicas na UFABC (Universidade Federal do ABC), doutor em histórica econômica e atualmente cursa pós-doutourado na Universidade de Coimbra, em Portugal.

“Criou-se uma ideologia racista para manter a hierarquização das pessoas com base na cor da pele. Estava já embutida nessas pessoas a ideia de que negros eram inferiores, e ponrtanto, em uma sociedade pós-escravista, eles continuam pensando que eles deveriam ser eliminados. Por isso a ideologia do branqueamento”, diz o docente.

Para Ramatis, a independência do País manteve os mesmos mecanismos de poder do Brasil colonial, ou seja, o sistema manteve no poder e atende os interesses da elite, enquanto as classes mais pobres ainda precisam lutar pela garantia de direitos básicos, como educação, alimentação, saúde, segurança, entre outros.

“O racismo que existiu durante a escravidão é sistematizado e se torna estrutural depois da escravidão, pois é a consequência de uma sociedade escravista e que continua atendendo os interesses apenas dos poderosos. A independência brasileira não mudou a vida dos escravizados e nem dos brancos pobres, pelo contrário, a emancipação do Brasil deixou o povo preto na marginalidade e com isso criou-se uma sociedade excludente, que continua, até os dias de hoje, excluindo o povo negro”, finaliza Ramatis.




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