Política Titulo Entrevista da semana
'Na política, também vou poder fazer muito pela mulher brasileira’
Da Redação
Do Diário do Grande ABC
25/07/2022 | 00:01
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André Henriques/DGABC


Principal referência nacional na defesa dos direitos e no combate à violência da mulher, Gabriella Manssur (MDB) decidiu abrir mão dos 19 anos como promotora de Justiça, com história de sucesso e projetos exitosos como o Justiça de Saia, para poder contribuir com a sociedade de outra forma. Desta vez, na política. Pré-candidata a deputada federal, Gabriela entende que, na Câmara Federal, lutará ainda mais para que as leis que existem hoje sejam aplicadas de forma a proteger a mulher brasileira. Também irá atuar na defesa das instituições e na democratização da saúde. Cotada para ser candidata a vice-governadora na chapa de Rodrigo Garcia (PSDB), a quem chamou de “mestre político”, diz que seria “uma honra” ocupar o posto. Gabriela também falou de sua relação com o Grande ABC, onde já atuou como promotora.

A senhora é uma das maiores referências na defesa dos direitos da mulher. Em que momento estamos em termos de políticas públicas?

Vejo por dois lados. Pelo lado dos direitos, da defesa, estamos muito mal. É vergonhoso o que acontece muitas vezes com as mulheres brasileiras. Temos leis e avanços, inclusive já participei da elaboração de muitos projetos. Mas essas leis não têm sido aplicadas de forma a proteger as mulheres brasileiras. Temos situações gravíssimas de violência. Como promotora, como mulher, recebo muitas denúncias. São meninas estupradas, assediadas, perseguidas. Mulheres violentadas fisicamente e psicologicamente e impedidas de ocupar espaços de poder e liderança, que são expostas em sua intimidade. Isso faz com que as mulheres se sintam cada vez mais fragilizadas, do ponto de vista político-social e econômico. O lado positivo é a que a divulgação desses casos de violência, principalmente nas redes sociais, faz com que todas as pessoas entendam o que é a violência, vejam a gravidade. Quando a gente não enxerga e isso não é materializado, muita gente não entende. Um dos casos recentes é o da procuradora, em Registro (SP), que foi agredida dentro do ambiente de trabalho, socada. Isso foi gravíssimo. Mas foi importante a exposição dessa situação. Isso fez com que o caso chegasse rapidamente ao conhecimento das autoridades competentes. Nas redes também vemos muitos casos de mulheres que aparecem com olho roxo, nariz sangrando, que são xingadas, desqualificadas. O lado positivo é encarar o problema de frente, e se sensibilizando com isso. Isso gera uma união da sociedade com as autoridades para o bem comum, que é o combate à violência contra a mulher.

O episódio do estupro do anestesista do Rio de Janeiro retrata um pouco isso, né? Trouxe essa indignação da sociedade.

Sim. Um caso gravíssimo, que trouxe uma comoção social muito grande. Mas já peguei casos semelhantes e até mais graves do que este. Quando eu falava sobre isso há algum tempo pouco se fazia. Havia um sentimento de que era um exagero ou de que a promotora poderia estar se colocando contra os homens. Não é sobre isso. Os grandes parceiros do meu trabalho são os homens. Juízes, promotores, procuradores, conselheiros do Ministério Público e também empresários que apoiam essa causa. Há casos em que as mulheres estão em situação momentânea de vulnerabilidade. Nós não somos vulneráveis o tempo todo, mas há momentos em que estamos nessa situação, ou quando está numa posição hierarquicamente inferior, como no caso do ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães (exonerado após explodir o escândalo de assédio sexual), ou hierarquia religiosa, abusando da fé e da confiança dessas mulheres. Em uma situação que a mulher sequer pode entender que está sendo abusada, porque está sob efeito de anestesia, além de ser um crime gravíssimo, é um ato de covardia. É uma vergonha e deve ser divulgado para exigir mais comprometimento das autoridades no combate à violência.

Quando envolve um famoso, como no caso do jogador Robinho, é mais difícil?

Eu não vejo nomes, mas os fatos. Isso foi uma lição do meu pai, Antônio Manssur, que foi juiz. Para a gente não cometer injustiça, é preciso olhar primeiro o fato antes do nome. Mas, obviamente, quando há casos envolvendo famosos, é muito difícil para as mulheres. Existe uma grande pressão social a favor deles em um primeiro momento. São líderes, influenciadores, que formam opinião, que são muito queridos. Um jogador de futebol no Brasil é uma referência. Muitos meninos se inspiram neles e copiam comportamento. Existe uma responsabilidade social enorme que esses jogadores carregam. Eles têm de ser exemplos da boa conduta e do respeito aos direitos do cidadão e cidadã. Isso é um dever. Não gosto da expressão ‘cidadão de bem’. Todo cidadão precisa ser de bem. Temos obrigação de cumprir leis. E quem exerce influência tem de ser exemplo, não cometer crime, não cometer injustiça, não praticar racismo e ser pessoas que influenciem positivamente as outras. Por isso é tão difícil esses casos, de mostrar que essas mulheres não estão atrás de vantagem econômica.

A senhora teve de se exonerar da função de promotora, por uma decisão do ministro do STF Gilmar Mendes, que afirmou que a senhora deveria escolher a carreira ou ser candidata a deputada federal. Como a senhora enxergou essa decisão?

É o entendimento dele. E precisa ser cumprido. Abri mão do prestígio do meu cargo, do meu salário, da minha aposentadoria, da minha estabilidade, para o risco político. E eu assumo esse risco. Essa foi a decisão do STF e vou cumprir. Posso não me conformar e recorrer, mas decisões judiciais devem ser cumpridas no Brasil.

O que a fez, então, abrir mão de tudo isso que a senhora colocou para ingressar na política?

A intuição. Já tive convites outras vezes, mas não aceitei porque vivia outro momento na carreira, como a oportunidade no Conselho Nacional do Ministério Público e também à frente do caso do João de Deus (suposto médium condenado pelo estupro de dezenas de mulheres). Naquele momento, precisava atuar. Hoje posso fazer muito mais pelas mulheres e pela sociedade brasileira. As mulheres no poder estruturam a sociedade.

A senhora está filiada ao MDB. Vai disputar a eleição com a bandeira da defesa dos direitos da mulher?

Tenho algumas bandeiras. A da defesa das instituições públicas, da Justiça, principalmente para as mulheres brasileiras, aumento das portas de entrada para que vítimas peçam ajuda, fiscalização das medidas protetivas, ressocialização do agressor, encaminhamento das mulheres para o mercado de trabalho, com acesso à geração de renda e empreendedorismo, combate à violência institucional de gênero, comprometimento da iniciativa privada com a mulher brasileira, combatendo assédio e apoio às mulheres que trabalham no campo. Também defendo o acesso à saúde. E vale contar uma história aqui. Uma vez senti um nódulo no seio e em um dia resolvi o problema. Fui no hospital, fiz ultrassom, depois biópsia e não era maligno. Resolvido. A moça que trabalha comigo, Maria da Paz, que se dedicou muito para formar os filhos, também teve um nódulo no seio. Não me falou nada e foi para o SUS, na fila. Quando eu solucionei meu caso, contei para ela. E a Maria da Paz revelou que também enfrentava o problema, mas que tinha de esperar seis meses na fila. Por qual razão? A minha vida não é mais importante que a dela. Ela é mulher como eu, mãe, trabalhadora. Por que ela não tem acesso? Isso me trouxe uma enorme indignação. Por isso essa é uma das minhas bandeiras.

Recentemente, surgiram informações de que o nome da senhora poderia ser uma opção para vice-governadora na chapa do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Como a senhora reagiu a isso?

Eu não quero ser uma opção, quero ser uma escolha. Mas estou à disposição da sociedade brasileira. Uma mulher que tem o currículo de legitimidade no combate à violência contra a mulher, histórico de credibilidade e que mostrou resultado de seu trabalho está à disposição. Seria uma honra para mim. Eu ainda não recebi o convite e só posso avaliar se ele vier. Para entrar na festa, preciso ser convidada. Mas se o convite vier do governador, que é um mestre político, uma pessoa comprometida e que tem palavra, ficaria muito honrada.

Como surgiu o projeto Justiça de Saia?

Da necessidade de levar informação para as mulheres. Tem cerca de 10 anos e foi uma forma que encontrei que levar essas informações à sociedade. Via que casos não eram divulgados e que o trabalho feminino não tinha vez nos sites institucionais, seja do Ministério Público, do Poder Judiciário ou da Polícia. E eu precisava dar vazão a essa situação, mostrar o que estava acontecendo. O Justiça de Saia começou com um blog e isso começou ganhando visibilidade. À época, foi algo moderno e audacioso, e até sofri algumas críticas. E fui em frente. Fui desenvolvendo outros projetos. É necessário um aparato de ações em prol da mulher. O que é para mim é bom para todas as mulheres, que precisam trabalhar, de apoio, de estrutura.

A senhora citou seu pai, que foi juiz em São Bernardo. Fala um pouco da relação do direito com sua família

Fazemos parte de uma família de trabalho e estudo. Meus avós vieram do Líbano pobres, sem nenhuma instrução. E conseguiram formar dois filhos no direito e um na medicina. Meu pai foi para a magistratura e sempre foi um grande juiz. Ele foi desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo e hoje está aposentado. Não damos um passo sem pedir orientação e aprovação dele. Foi um exemplo. Hoje eu uso gravata porque via meu pai usando no fórum e achava isso o máximo. A gravata tem esse símbolo de que podemos ser o que quisermos ser. Ele tem essa influência positiva na minha vida. Minha mãe também é uma grande inspiração, que se formou em direito depois de ter quatro filhos e já casada. Então foi mais difícil para ela. Temos um núcleo familiar dedicado à Justiça.

E sua relação com o Grande ABC?

Diadema foi a primeira cidade em que fui promotora e foi muito importante. Passei por Santo André, por São Bernardo. Tenho grandes amigos juízes e promotores que autam no Grande ABC. Meu grande carinho por todos. Vou seguir sempre olhando e fazendo pela região. Nós não podemos esquecer de nossas raízes. E aqui tenho raízes, memória, carinho e respeito. Onde eu estiver, vou trabalhar pelo Grande ABC.




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