Setecidades Titulo Recomeço
Faculdade andreense oferece curso superior para presos militares

Projeto educacional busca promover ressocialização e remição de pena para internos do Presídio Militar Romão Gomes, na Capital

Thaina Lana
Do Diário do Grande ABC
28/03/2022 | 07:00
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


“A educação está diretamente atrelada à ressocialização do preso à sociedade”, é o que diz o detento Caique (nome fictício), 44 anos, policial militar formado em filosofia e preso há três anos e três meses no Presídio Militar Romão Gomes, localizado na Zona Norte da Capital. O interno é um dos 19 alunos do curso tecnólogo de gestão em recursos humanos, com duração de dois anos, oferecido pela Fatej/Fadisa (Faculdade de Tecnologia Jardim) de Santo André, em parceria com a Funap (Fundação de Amparo ao Preso) e com a Faculdade no Cárcere, que busca promover o regresso social do reeducando e a remição de pena por meio dos estudos.

Para poder frequentar semanalmente a sala de aula, os internos precisaram passar por algumas etapas eliminatórias. Todos os estudantes universitários pertencem ao segundo estágio da instituição militar, classificação interna que define as regras de convivência do cárcere. Outra fase crucial para o ingresso no curso foi o processo seletivo da faculdade, onde os requisitos principais eram conclusão do ensino médio, seleção de reeducandos por maior tempo de condenação e aprovação no exame vestibular, com prova objetiva e de redação.

Segundo a faculdade, o curso de recursos humanos foi escolhido para ser aplicado no presídio devido à alta taxa de empregabilidade no País, com base em estatísticas divulgadas pelo Ministério da Educação. Todo material didático, como livros, cadernos e canetas, por exemplo, foi doado pela faculdade andreense. O trabalho dos envolvidos no projeto, como professores e técnicos administrativos, é todo voluntário e realizado de maneira on-line. Aulas são transmitidas por um telão e toda interação com os detidos é de maneira remota, sempre acompanhada por policiais militares.

Além de aprender uma nova profissão, por pelo menos três horas, tempo de duração das aulas, os presos conseguem esquecer, mesmo que momentaneamente, que estão longe das suas famílias e privados de liberdade. A ânsia por adquirir conhecimento é tão grande que nem mesmo os policiais militares que acompanham a todo momento a turma conseguem trazer os dedicados alunos para realidade atrás das grades.

“Enquanto estamos estudando nos desligamos daqui por pelo menos um momento. Resolvi fazer o curso para dar exemplo para os meus três filhos, e caso seja expulso da corporação (seu caso ainda não foi julgado), saio daqui com uma nova profissão”, relata Bruno (nome fictício), que está detido há três anos e três meses e acredita que irá concluir a graduação em regime semiaberto – o curso também é disponibilizado para os reclusos que passarem do regime fechado para o semiaberto e aberto, além dos que receberem a liberdade.

Tenente-coronel e diretor do Romão Gomes, Marcelo dos Santos Sançana explica que a remição de pena pode ser realizada por meio de três atividades: trabalho, estudos e leitura. “Além do trabalho, as remições pelo estudo e pela leitura são importantes ferramentas de ressocialização e de reinserção social, porquanto o capital intelectual adquirido durante o cumprimento da pena será utilizado em prol do próprio custodiado no retorno à coletividade. Alguns dos internos podem sair na condição de civil, sem poder praticar seu ofício, por isso é importante essa oportunidade”, pontua o diretor, que também explica que a cada 12 horas de frequência escolar é abatido um dia na sentença do preso.

A idealizadora do projeto e reitora da Fatej/Fadisa, Arleide Braga, acredita que o projeto educacional beneficia os detentos e também a sociedade. “Os internos já estão pagando a sua dívida para o Estado. Estão privados da liberdade física, mas a liberdade intelectual desta população está totalmente livre para ser ocupada, para criar e também para produzir. Esse é um projeto humanitário que busca oferecer o preparo profissional para os detentos e que seu retorno social seja com maiores possibilidades de empregabilidade”, ressalta a reitora.

Além do diploma, os alunos deverão participar de uma formatura para celebrar a conclusão do curso, que tem previsão de término para abril do próximo ano. No momento os reclusos estão escrevendo um livro de contos chamado As Experiências do Cárcere, com histórias sobre a vivência no presídio militar, o valor da liberdade, da família, entre outras temáticas. O material ainda não possui data de lançamento.

BASTIDORES
Devido às regras de segurança do Romão Gomes, não foi permitida a entrada da equipe de reportagem do Diário com nenhum equipamento eletrônico, apenas uma câmera fotográfica. Ao fim da entrevista com o detento Caique, ao ser questionado se tinha mais alguma informação para acrescentar, ele pediu para que escrevesse no caderno a seguinte frase: “Pela primeira vez, em três anos que estou preso aqui, me senti livre. Ser entrevistado por você foi como olhar nos olhos da liberdade, mesmo que por pouco tempo”, finalizou o interno, com um largo sorriso.

CASO NAVAL
O conhecido presídio militar, que abriga atualmente 180 detentos, entre 102 condenados e 78 em prisão preventiva, recebeu por oito anos em regime fechado Otávio Lourenço Gambra, mais conhecido como Rambo, ex-policial militar que foi condenado pela morte do mecânico Mário José Josino e por outras duas tentativas de assassinato na favela Naval, em Diadema, em 1997. Rambo foi sentenciado a 65 anos de reclusão, mas em 2001 conseguiu reduzir a pena para 15 – cumpriu um ano e quatro meses em regime semiaberto e o restante da pena em regime aberto.

Presídio promove atividades laborais

Além da remição por estudo e leitura, o Presídio Militar Romão Gomes oferece atividades laborais, que buscam reabilitar e reinserir o preso ao âmbito social. Entre as principais ocupações oferecidas pela instituição militar estão: criação de aves – como codornas e patos – e peixes; plantio e colheita de diversos tipos de hortaliças, legumes e frutas; apiário; bordado e costura; lava rápido; fabricação de doces, salgados e pães; barbearia; oficina para manutenção e reforma de cadeira de rodas e montagem de peças automotivas.

O mais antigo interno do Romão Gomes, conhecido no presídio como 01, foi condenado por homicídio e cumpre a pena há 17 anos no local. Hoje ele atua como apicultor e revelou o seu maior aprendizado no cárcere. “Durante esses anos aprendi que o mal não se paga com o mal”, disse o detento.

Seja em trabalhos internos, como a manutenção do prédio, ou ofícios promovidos em parceria com empresas privadas, em ambas as atividades o preso é beneficiado economicamente pelo trabalho realizado, recebendo percentual do que é produzido e/ou comercializado no âmbito prisional.

“Além da atividade laboral ser utilizada como remição de pena pelo custodiado e, consequentemente, instrumento de ressocialização, evolução intelectual e redução da pena, em paralelo o reeducando é beneficiado economicamente pelo trabalho realizado, recebendo percentual daquilo que é produzido e/ou comercializado”, destaca Marcelo dos Santos Sançana, diretor da instituição militar.

A cadeia conta ainda com um núcleo dos itens artesanais produzidos pelos detentos, como mel, bordados, pães e doces, por exemplo. A repartição fica localizada nas instalações, na área externa, junto ao estacionamento de visitantes, aberta de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h, e aos sábados, das 7h30 às 11h30, sendo os produtos disponibilizados diariamente e comercializados para o público em geral, em sua maioria moradores da região.

 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;