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Desoneração fiscal: quem lucra com isso?
Rafael Marques
17/12/2021 | 00:01
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Na 20ª Carta de Conjuntura da USCS publiquei nota técnica tratando da desoneração fiscal. A nota está disponível em https://www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.

A política de desoneração da folha de pagamento, adotada em 2011, como medida para conter demissões em um momento de crise, mostrou-se um engano que não deveria ser continuado. O Senado Federal acaba de aprovar o projeto de lei que prorroga essa política por mais dois anos. 

Há a necessidade de uma avaliação mais aprofundada sobre os efeitos para a economia e o fato de que seu objetivo principal jamais foi atingido, que é o de preservação de empregos. As empresas obtiveram o benefício fiscal e demitiram sem nenhum pudor.

Quando a política foi adotada, o governo federal, além de outras medidas de incentivo, alterou as contribuições previdenciárias patronais de 20% da folha de pagamento das empresas para um percentual tributário de 1% até 4,5% sobre o faturamento, o que impactou a receita da seguridade social no Brasil, com a perda estimada em mais de R$ 130 bilhões até este ano.

No Plano Brasil Maior, em 2011, apenas quatro setores foram beneficiados: confecção, couros e calçados, call centers e de softwares (tecnologia da informação e comunicação), mas no primeiro ano de implantação já eram 40 setores contemplados com a desoneração, e, ao longo dos anos, chegou-se a 56 setores.

Em 2018, o benefício foi limitado novamente. Empresários de 17 setores – calçados, <CF160>call center</CF>, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, TI, TIC, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas – querem a continuidade da política. Argumentam que 1 milhão de trabalhadores seriam demitidos com o fim da desoneração. 

A afirmação soa mais como uma ameaça ao governo federal e ao Parlamento. O nível de emprego está bem longe do que eles juram manter. 

Em uma análise de apenas quatro setores: autopeças, calçados, máquinas e plástico, que em 2013 empregavam mais de 1,3 milhão de trabalhadores, em 2020 tinham pouco mais de 1 milhão, uma redução de 259.381 postos de trabalho.

Segundo a Pesquisa do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), em 2013 o setor de autopeças empregava 220 mil trabalhadores; já em 2020, um total de 156.434. Ou seja, mais de 60 mil postos de trabalho a menos. 

Já o relatório da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados ) aponta 327,9 mil postos de trabalho no setor em 2013, e 247,4 mil em 2020. Vale dizer, 80,5 mil pessoas demitidas no setor calçadista.

No setor de máquinas, pelo levantamento elaborado pela subseção do Dieese no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com base na Rais/Caged (Relação Anual de Informações Sociais/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 2014 foram criadas mais de 81 mil vagas, que não se mantiverem um ano sequer, com a perda de quase 150 mil trabalhadores um ano depois. Em sete anos o setor de máquinas no Brasil cortou cerca de 85 mil postos. 

Além de demissões em setores beneficiados pela desoneração, que não honraram seus compromissos de manutenção de emprego, ainda houve a reforma da Previdência. 

Não bastasse a queda da arrecadação, provocada pela desoneração, a reforma piorou a situação. Os trabalhadores foram obrigados a uma transição-pedágio, para poderem se aposentar, ou tiveram o direito postergado com a implantação de idade mínima. Mais: ainda no regime próprio, a alíquota aumentou de 11% para 14%, exigindo contribuição de aposentados que já estavam isentos. A reforma não foi capaz de compensar o rombo criado na Previdência pela desoneração dada aos empresários e ainda agravou a situação dos mais de 2 milhões de brasileiros que aguardavam a aposentadoria até junho deste ano, em uma fila vergonhosa, como último recurso para manter suas famílias em plena pandemia. 

É inaceitável que o segurado tenha a sua situação piorada pela reforma da Previdência de 2019 e a desoneração da folha signifique menos dinheiro para a seguridade social. 

Se há recessão, o que irá segurar os empregos é o crescimento econômico, novos investimentos e inovação, aumento da demanda, capacidade exportadora e salários melhores para impulsionar o mercado de consumo. 

A prorrogação dessa medida é um absurdo em um momento como este. Estão impondo um sacrifício aos trabalhadores, mais um por conta do antiquado lobby empresarial no Brasil.

O conteúdo desta coluna foi elaborado Rafael Marques, presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. 




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